FUNAAD - Manaíra - PB

Fundação Antônio Antas Diniz

Cultura, Educação, Ética, Fraternidade, História, Ação Social

   A GUERRA DE PRINCEZA - 1930

INÍCIO

A Guerra de

  PRINCEZA

A Guerra em

  MANAÍRA

A Guerra em

  SÃO JOSÉ

A Guerra em

  PATOS IRERÊ

A Guerra em

  TAVARES

Os Coronéis
Os Cangaceiros

A REVOLTA DE 30 ou A GUERRA DE PRINCEZA

Existem dezenas de livros que contam esse episódio, centenas que a ele fazem referência. O que se pretende aqui é mostrar uma pequena síntese, para que o leitor possa situar-se no contexto do centro das atenções que foi Princesa, e poder alcançar um entendimento mais direcionado à periferia, que é nosso objetivo.

Nesse ambiente periférico está o homem simples, o agricultor, o pequeno comerciante e seus familiares, que ficaram envoltos em uma luta e suas consequências, mal entendendo o que ocorria. Gente de Patos, de São José, de Alagoa Nova e de tantas outras localidades, em situações semelhantes. Gente que perdeu suas casas, suas roças, suas criações, suas vidas... E que nunca, nem ninguém, veio lhes perguntar o que fazer para reparar tantos males. É a essa gente, que dedico estes escritos, aos que partiram, aos que ainda resistem, aos seus filhos e aos filhos deles, para que lembremos que uma história, como a nossa, só se escreve com a coragem daqueles e daquelas que se sacrificaram pelo próximo.

No dia 22 de outubro de 1928, na qualidade de presidente (governador) do estado da Paraíba, assumiu o governo Dr. João Pessoa Cavalcante de Albuquerque.Em 11 de outubro de 1929, o presidente João Pessoa declarava ao jornal "A União" da capital paraibana:

"Logo que assumi o governo, verifiquei que tudo estava enfeudado às chefias políticas. O chefe político arrecadava e dispunha, como bem entendia, das receitas públicas. Tributava e não era tributado. Fazia justiça, mas não se deixava justiçar. Tornava-se, como se vê, um elemento pernicioso".

No dia 19 de fevereiro de 1930, o presidente do estado da Paraíba, João Pessoa, na tentativa de contornar uma crise política provocada pela divergência na composição da chapa para deputado federal, viaja à Princesa. A chapa para deputado federal fora publicada a 18 de fevereiro de 1930, no jornal "A União". O presidente é recebido com festa. Por falta de habilidade política, o presidente João Pessoa e o "coronel" José Pereira, chefe político princesense, não encontraram um denominador comum. O "coronel" José Pereira rompe com o presidente da Paraíba. E com o apoio dos Pessoa de Queirós (os irmãos José e João Pessoa de Queirós), primos do presidente João Pessoa e donos de um grande empório industrial, jornalístico (Jornal do Commércio) e mercantil (João Pessoa de Queirós e Cia.), no Recife, rebelou-se contra o governo estadual.

Com data de 23 de fevereiro de 1930, o "coronel" José Pereira rompe oficialmente com o governo do Estado, através do telegrama n.º 52.

"Dr. João Pessoa - Acabo de reunir amigos e correligionários aos quais informei do lançamento da chapa federal. Todos acordaram mesmo que V. Excia., escolhendo candidatos à revelia Comissão Executiva, caracteriza palpável desrespeito aos respectivos membros. A indisciplina partidária que ressumbra do ato de V. Excia, inspirador de desconfianças no seio do epitacismo, ameaça de esquecimento os mais relevantes serviços dos devotados à causa do partido. Semelhante conduta aberra dos princípios do partido, cuja orientação muito diferia da atual, adotada singularmente por V. Excia. Esse divórcio afasta os compromissos velhos baluartes da vitória de 1915 para com os princípios deste partido que V. Excia. Acaba de falsear. Por isso tudo delibero adotar a chapa nacional, concedendo liberdade a meus amigos para usarem direito voto consoante lhes ditar opinião, comprometendo-me ainda defendê-los se qualquer ato de violência do governo atentar contra direito assegurado Constituição. Saudações (a) José Pereira".

ALEXANDRINA PEREIRA LIMA JOSÉ PEREIRA LIMA

José Pereira Lima, nasceu na Vila de Princesa, em 04 de dezembro de 1884, e faleceu em 13 de novembro de 1949, com 65 anos de idade, na capital pernambucana. Filho de Marcolino Pereira Lima e Águida de Andrade Lima. Iniciou seus estudos em Princesa, transferiu-se para o Colégio Diocesano da Paraíba, e, já na Faculdade de Direito, em Recife, teve que abandonar os estudos, em 1905, para assumir, em substituição ao seu pai, que morrera, a chefia política da região.

A respeito da retirada dos funcionários estaduais de Princesa no dia 24 de fevereiro de 1930, o presidente do Estado da Paraíba, João Pessoa, enviou telegrama ao presidente da República, Sr. Washington Luiz:

"Assim procedi, primeiro porque a polícia não podia assistir inactiva a invasão da cidade por faccínoras armados..." (publicado no jornal "A União" de 7 de março de 1930).

No dia 24 de fevereiro de 1930, o presidente João Pessoa, visando desestabilizar o poder de mando do "coronel", retira os funcionários do Estado, lotados em Princesa; quase todos os parentes do "coronel", e exonera o prefeito José Frazão de Medeiros Lima, o vice-prefeito Glicério Florentino Diniz e o adjunto de promotor Manoel Medeiros Lima, indicados pelo oligarca princesense.

O juiz Clímaco Xavier abandonou a cidade por falta de garantias. O jornal "A União" de 28 de fevereiro de 1930, trazia decretos de exoneração do sub-delegado de Tavares, Belém, Alagoa Nova (Manaíra) e São José, distritos de Princesa, na época.

No dia 27 de fevereiro de 1930, o "coronel" José Pereira dirigiu ao Sr. Odilon Nicolau a seguinte carta:

"Amigo Odilon Nicolau, o meu abraço. O governo tem feito grande pressão aos eleitores e sei agora que têm sido espancados vários correligionários da Causa Nacional. Como você já deve saber, rompi com o governo de João Pessoa e estou disposto a garantir os nossos amigos, para o que envio vários contingentes.

O meu pessoal não tocará em ninguém, salve se for agredido. Havendo de provocar a intervenção, pois estou disposto a ocupar todos os municípios do Sul do Estado. O mesmo se fará no Norte com outra força comandada por pessoa em evidência no Estado.

Penso ter direito e bem razão em lhe convidar para esta luta, porque as minhas relações com você e sua família, me animam a assim proceder. Não me engane porque a luta está amparada pelos próceres da política nacional. João Pessoa está ilegalmente no governo, logo depois da eleição, dado o movimento, o Governo Federal tomará conhecimento dos atos absurdos e inconstitucionais praticados por ele.

Venha e não se receie. Do velho amigo, José Pereira Lima.

Princesa, 27 de fevereiro de 1930".

A polícia do Estado ocupa Texeira-PB, sob o comando dos capitães João da Costa e Irineu Rangel. No mesmo dia parte das tropas do "coronel" José Pereira segue para Teixeira e trava o primeiro combate da chamada guerra de Princesa. 

O "coronel" José Pereira tinha armas em quantidade recebidas do próprio governo estadual, em gestões anteriores, para enfrentar o bando de Lampião e mais tarde a Coluna Prestes.

O Governo do Estado não conseguiu invadir Princesa, apesar do Quartel General da Polícia Militar, em Piancó-PB, comandado pelo Cel. Aragão Sobrinho, ter planejado e executado o cerco com as tropas do Capitão João Costa, Comandante da Coluna Leste; o capitão Irineu Rangel, Comandante da Coluna Norte, e o tenente José Maurício da Costa, Comandante d Coluna Oeste; restando o vizinho Estado de Pernambuco com trilhas de abastecimento aos rebeldes, uma vez que o presidente Estácio Coimbra negou a infiltração da Coluna Sul.

A coluna Leste chegou a 18 quilômetros de Princesa, no sítio Lagêdo Bonito; a Coluna Oeste conseguiu atingir Patos, hoje povoado de Irerê, distante 20 quilômetros do reduto do “coronel”, aprisionando mulheres e crianças da família Pereira.

            No dia 24 de março de 1930, 150 homens enviados pelo chefe princesense lutaram dez horas e conseguiram expulsar os invasores e libertar os prisioneiros.

            A Coluna Norte, comandada pelo Capitão Irineu Rangel devida a dificuldades do apoio logístico, foi desfeita.

Com o rompimento oficial do "coronel" José Pereira em 23 de fevereiro de 1930, no município de Princesa, a justiça deixou de funcionar, as aulas foram interrompidas e foi suspensa a arrecadação de impostos.

No dia 14 de março de 1930, o "Jornal do Commércio" do Recife publicava o manifesto do "coronel" José Pereira ao povo brasileiro. (...)

O presidente João Pessoa, com a finalidade de municiar a política do Estado, pede ao Ministro da Guerra, Nestor Passos, "autorização para importar da França, cem mil cartuchos, para fuzil Mauzer", em 8 de abril de 1930. A autorização foi negada.

O Governo do Estado prepara o golpe que supunha fatal e envia à Princesa duzentos e vinte homens em doze caminhões e farta munição sob o comando do tenente Francisco Genésio, e, pasmem, para espanto dos leigos e estrategistas, um feiticeiro.

Dia cinco de junho de 1930, nas proximidades de Água Granca, os comandos dos grupos mais experimentados dos rebeldes emboscaram a tropa da Polícia. Os caminhões foram queimados; quem não conseguiu fugir, morreu; inclusive o tenente Francisco Genésio e o feiticeiro. Mais de cem mortos e quarenta feridos. (...)

Com a assinatura do deputado estadual e chefe dos revoltosos, "coronel" José Pereira, do Prefeito Municipal, José Frazão de Medeiros Lima, do presidente da câmara dos vereadores, Manoel Rodrigues Sinhô e do vereador Antônio Cordeiro Florentino, foi publicada na primeira página do "JORNAL DE PRINCEZA", do dia 21 de junho de 1930, o Decreto n.º 01, proclamando autonomia político-administrativa em relação ao governo Estadual, porém subordinado politicamente ao poder político federal, cujo texto transcrevemos a seguir:

 "Decreta e proclama provisoriamente a independência do município de Princesa, separada do Estado da Paraíba, e estabelece a forma pela qual deve ele se reger. A administração provisória do Território de Princesa, instituída por aclamação popular, decreta e proclama a Resolução seguinte:

ART. I - Fica decretada e proclamada provisoriamente a independência do município de Princesa, deixando o mesmo de fazer parte do Estado da Paraíba, do qual está separado desde 28 de fevereiro do corrente ano.

ART. II - Passa o município de Princesa, constituir com seus limites atuais, um território livre que terá a denominação de Território de Princesa.

ART. III - O Território de Princesa assim constituído permanece subordinado politicamente ao poder público federal, conforme se acha estabelecido na Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil.

ART. IV - Enquanto pelos meios populares não se fizer a sua organização legal, será o Território regido pela administração provisória do mesmo território. Cidade de Princesa, em 09 de junho de 1930".

O texto, na íntegra, foi lido no expediente do Senado, no dia 13 de junho do mesmo ano, pelo Senador Melo Viana, e na Câmara Federal o Dep. paraibano Flávio Ribeiro Coutinho exibia um exemplar do "JORNAL DE PRINCEZA".

No dia 18 de junho de 1930, o jornal da capital paraibana "A União", publicava:

"... Para Clovis Bevilcqua, como para Paulo Lacerda, como para todos os jurisconsultos pátrios que se hão manifestado sobre o caso, o desmembramento de um território ou parte de um Estado é contrário ao texto da Constituição Federal, por isso que esta, em seu artigo 4º, se refere a Estados e ao modo porque podem subdividir-se, annexar-se, a outros ou formar novos Estados, desmembramento que, além disso, só se pode admitir por acto administrativo. 

Donde se infere, pela licção dos dois insignes mestres, que a constituição de Princesa em território livre ou autônomo não passa, como disse Paulo de Lacerda, em tom faceto, de uma verdadeira patuscada".

Princesa ganhou projeção nacional e internacional. Tinha suas próprias leis, seu hino, sua bandeira, seu jornal, seus ministros e seu exército. Até Lampião, foi convidado pelo delegado de polícia de Piancó, para lutar contra os revoltosos de Princesa, e, o conceituado órgão da imprensa norte-americana, TIME, dedicou uma longa matéria a respeito do Território Livre de Princesa. (...)

No dia 6 de junho de 1930 o Governo do Estado tentou nova investida contra a cidade rebelde. Enviou do Quartel General da Polícia Militar, em Piancó, um avião pilotado pelo italiano Peroni, com a missão de lançar panfletos, concitando o povo a abandonar a luta, senão a cidade seria bombardeada dentro de 24 horas. O bombardeio não veio. A missão falhou.

Conteúdo da mensagem do panfleto: "O governo da Paraíba intima-vos a entregar as vossas armas. Vossas vidas serão garantidas, dando o governo liberdade aos que não respondem por outros crimes. Convém ouvir a palavra do governo. Deveis apresentar-vos aos nossos oficiais. Dentro de 24 horas Princesa será bombardeada pelos aeroplanos da polícia e tudo será arrasado. Evitai o vosso sacrifício inútil. Ainda é tempo de salvar-vos. Não vos enganeis; vossos chefes estão inteiramente perdidos". (Adicionado pelo Autor)

Com data de 22 de maio de 1930, o jornal do governo "A União" publicava:

"As deserções entre os ladrões e assassinos do traidor José Pereira aumentam diariamente, principalmente agora que elles já sabem que o reducto central do seu chefe poderá ser transformado em um montão de ruínas, dentro de poucos minutos pela esquadrilha aérea da Força Pública".

E como resposta a ameaça de Princesa ser bombardeada, veio a reação do "coronel" José Pereira, que continuava dono da situação, e, com suas colunas de guerrilheiros fustigava várias cidades do Estado da Paraíba, na tentativa de atemorizar as tropas da polícia.

A primeira Coluna composta de cinquenta homens, comandada por João Paulino, invadia Pombal, Catolé do Rocha e Brejo da Cruz; também com cinquenta homens, a segunda Coluna esteve em Piancó, sob a chefia de Pedro Gavião, numa tentativa de destruir os dois aeroplanos ali pousados. Sessenta combatentes da terceira Coluna passaram por Desterro, Monteiro, Camalaú, Sumé e São João do Cariri, comandada por Antônio Zeferino; a quarta Coluna, sob o comando do mais destacado guerrilheiro, Antônio Pessoa, mais conhecido como Antônio Pitó, Cícero Bezerra e Laurindo Alves, com um contingente de 150 homens, invadiu São José de Piranhas, na rota para Cajazeiras. Uma outra frente invadiria as cidades fronteiras com o Rio Grande do Norte, sob o comando do advogado Dr. João Dantas.

Mas a luta perde sua razão de ser. O "coronel" José Pereira queria afastar o presidente João Pessoa do governo, porém, o advogado João Duarte Dantas, por motivos pessoais/políticos, assassinou o presidente do Estado da Paraíba, na confeitaria Glória, no Recife, às 17 horas do dia 26 de julho de 1930.

            Com a morte do presidente João Pessoa, o movimento armado de Princesa tomou novo rumo. "(...) os homens de José Pereira comemoraram a vitória, mas o 'coronel', pensativo, disse: 'Perdemos...! Perdi o gosto da luta'. Já prevendo os acontecimentos futuros, decorrentes da morte do governador, falou: 'Os ânimos agora vão se acirrar contra mim'. Os paraibanos ficaram chocados com o assassinato de João Pessoa (a partir daí criou-se todo um mito), e, em retaliação, perseguiram e incendiaram as casas dos perrepistas na capital".

            O Presidente da República, Washington Luiz, decidiu terminar com a Revolta de Princesa e o "coronel" José Pereira não ofereceu resistência, conforme acordo prévio, quando seiscentos soldados do 19º e 21º Batalhão de Caçadores do Exército, comandados pelo Capitão João Facó, ocuparam a cidade em 11 de agosto de 1930.

José Pereira deixa a cidade no dia 5 de outubro de 1930 e inicia uma longa saga de mudanças e ocultações, para evitar a perseguição do governo paraibano. Depois de anistiado, em 1934, foi residir na fazenda "Abóboras" em Serra Talhada. (Nota do Autor)

No dia 29 de outubro de 1930, a Polícia Estadual, que não conseguira vencer a insurreição durante a luta, ocupa a cidade de Princesa com trezentos e sessenta soldados comandados pelo Capitão Emerson Benjamim, passando a perseguir os que lutaram para defender a cidade ameaçada, humilhando e torturando os que foram presos sem direito a defesa. Uma triste condecoração para os rudes sertanejos que com bravura participaram de uma luta improvisada, e que teve um balanço final, aproximadamente, de seiscentos mortos.

Em 19 de maio de 1930, o “coronel” José Pereira, em declarações ao “Jornal do Commércio” do Recife, reconhecia “250 baixas”. Vejamos:

“...Ora, eu me bato contra o governo da Parayba há mais de sessenta dias. Como pois não classificar esta luta onde já houve até agora cerca de 250 baixas, incêndios, dynamitação de dezenas e dezenas de casas, assassinatos frios de crianças e mulheres indefesas, prisão de senhoras como reféns, campos de aviação em preparativos, aviões apprehendidos...”

Texto extraído de "Princesa Antes e Depois de 30", de Paulo Mariano.

 

 
Direitos Reservados. ©: Valdeny Antas Diniz