Existem dezenas de livros que contam esse
episódio, centenas que a ele fazem referência. O que se pretende aqui é
mostrar uma pequena síntese, para que o leitor possa situar-se no
contexto do centro das atenções que foi Princesa, e poder alcançar um
entendimento mais direcionado à periferia, que é nosso objetivo.
Nesse ambiente periférico está o homem
simples, o agricultor, o pequeno comerciante e seus familiares, que
ficaram envoltos em uma luta e suas consequências, mal entendendo o que
ocorria. Gente de Patos, de São José, de Alagoa Nova e de tantas outras
localidades, em situações semelhantes. Gente que perdeu suas casas, suas
roças, suas criações, suas vidas... E que nunca, nem ninguém, veio lhes
perguntar o que fazer para reparar tantos males. É a essa gente, que
dedico estes escritos, aos que partiram, aos que ainda resistem, aos
seus filhos e aos filhos deles, para que lembremos que uma história,
como a nossa, só se escreve com a coragem daqueles e daquelas que se
sacrificaram pelo próximo.
No dia 22 de outubro de
1928, na qualidade de presidente (governador) do estado da Paraíba,
assumiu o governo Dr. João Pessoa Cavalcante de Albuquerque.Em 11 de
outubro de 1929, o presidente João Pessoa declarava ao jornal "A União"
da capital paraibana:
"Logo que assumi o governo, verifiquei que
tudo estava enfeudado às chefias políticas. O chefe político arrecadava
e dispunha, como bem entendia, das receitas públicas. Tributava e não
era tributado. Fazia justiça, mas não se deixava justiçar. Tornava-se,
como se vê, um elemento pernicioso".
No dia 19 de fevereiro de 1930, o presidente
do estado da Paraíba, João Pessoa, na tentativa de contornar uma crise
política provocada pela divergência na composição da chapa para deputado
federal, viaja à Princesa. A chapa para deputado federal fora publicada
a 18 de
fevereiro de 1930, no jornal "A União". O presidente é recebido com
festa. Por falta de habilidade
política, o presidente João Pessoa e o "coronel" José Pereira, chefe
político princesense, não encontraram
um denominador comum. O "coronel" José Pereira rompe com o presidente da
Paraíba. E com o apoio dos Pessoa de
Queirós (os irmãos José e João Pessoa de Queirós), primos do presidente
João Pessoa e donos de um grande empório industrial, jornalístico
(Jornal do Commércio) e mercantil (João Pessoa de Queirós e Cia.), no
Recife, rebelou-se contra o governo estadual.
Com data de 23 de fevereiro de 1930, o
"coronel" José Pereira rompe oficialmente
com o governo do Estado, através do telegrama n.º 52.
"Dr. João Pessoa - Acabo de reunir amigos e
correligionários aos quais informei do lançamento da chapa federal.
Todos acordaram mesmo que V. Excia., escolhendo candidatos à revelia
Comissão Executiva, caracteriza palpável desrespeito aos respectivos
membros. A indisciplina partidária que ressumbra do ato de V. Excia,
inspirador de desconfianças no seio do epitacismo, ameaça de
esquecimento os mais relevantes serviços dos devotados à causa do
partido. Semelhante conduta aberra dos princípios do partido, cuja
orientação muito diferia da atual, adotada singularmente por V. Excia.
Esse divórcio afasta os compromissos velhos baluartes da vitória de 1915
para com os princípios deste partido que V. Excia. Acaba de falsear. Por
isso tudo delibero adotar a chapa nacional, concedendo liberdade a meus
amigos para usarem direito voto consoante lhes ditar opinião,
comprometendo-me ainda defendê-los se qualquer ato de violência do
governo atentar contra direito assegurado Constituição. Saudações (a)
José Pereira".
ALEXANDRINA PEREIRA LIMA
JOSÉ PEREIRA LIMA
José Pereira
Lima, nasceu na Vila de Princesa, em 04 de dezembro de 1884, e faleceu
em 13 de novembro de 1949, com 65 anos de idade, na capital
pernambucana. Filho de Marcolino Pereira Lima e Águida de Andrade Lima.
Iniciou seus estudos em Princesa, transferiu-se para o Colégio Diocesano
da Paraíba, e, já na Faculdade de Direito, em Recife, teve que abandonar
os estudos, em 1905, para assumir, em substituição ao seu pai, que
morrera, a chefia política da região.
A respeito da retirada
dos funcionários estaduais de Princesa no dia 24 de fevereiro de 1930, o
presidente do Estado da Paraíba, João Pessoa, enviou telegrama ao
presidente da República, Sr. Washington Luiz:
"Assim procedi, primeiro porque a polícia não
podia assistir inactiva a invasão da cidade por faccínoras armados..."
(publicado no jornal "A União" de 7 de março de 1930).
No dia 24 de fevereiro de 1930, o presidente João Pessoa,
visando desestabilizar o poder de mando do "coronel", retira os
funcionários do Estado, lotados em Princesa; quase todos os
parentes do "coronel", e exonera o prefeito José Frazão de
Medeiros Lima, o vice-prefeito Glicério Florentino Diniz e o
adjunto de promotor Manoel Medeiros Lima, indicados pelo
oligarca princesense.
O juiz Clímaco Xavier abandonou a cidade por falta de garantias.
O jornal "A União" de 28 de fevereiro de 1930, trazia decretos
de exoneração do sub-delegado de Tavares, Belém, Alagoa Nova
(Manaíra) e São José, distritos de Princesa, na época.
No dia 27 de fevereiro de 1930, o "coronel"
José Pereira dirigiu ao Sr. Odilon Nicolau a seguinte carta:
"Amigo Odilon Nicolau, o meu abraço. O
governo tem feito grande pressão aos eleitores e sei agora que têm sido
espancados vários correligionários da Causa Nacional. Como você já deve
saber, rompi com o governo de João Pessoa e estou disposto a garantir os
nossos amigos, para o que envio vários contingentes.
O meu pessoal não tocará em ninguém, salve se
for agredido. Havendo de provocar a intervenção, pois estou disposto a
ocupar todos os municípios do Sul do Estado. O mesmo se fará no Norte
com outra força comandada por pessoa em evidência no Estado.
Penso ter direito e bem razão em lhe convidar
para esta luta, porque as minhas relações com você e sua família, me
animam a assim proceder. Não me engane porque a luta está amparada pelos
próceres da política nacional. João Pessoa está ilegalmente no governo,
logo depois da eleição, dado o movimento, o Governo Federal tomará
conhecimento dos atos absurdos e inconstitucionais praticados por ele.
Venha e não se receie. Do velho amigo, José
Pereira Lima.
Princesa, 27 de fevereiro de 1930".
A polícia do Estado ocupa Texeira-PB, sob o
comando dos capitães João da Costa e Irineu Rangel. No mesmo dia parte
das tropas do "coronel" José Pereira segue para Teixeira e trava o
primeiro combate da chamada guerra de Princesa.
O "coronel" José Pereira tinha armas em
quantidade recebidas do próprio governo estadual, em gestões anteriores,
para enfrentar o bando de Lampião e mais tarde a Coluna Prestes.
O Governo do Estado não conseguiu invadir
Princesa, apesar do Quartel General da Polícia Militar, em Piancó-PB,
comandado pelo Cel. Aragão Sobrinho, ter planejado e executado o cerco
com as tropas do Capitão João Costa, Comandante da Coluna Leste; o
capitão Irineu Rangel, Comandante da Coluna Norte, e o tenente José
Maurício da Costa, Comandante d Coluna Oeste; restando o vizinho Estado
de Pernambuco com trilhas de abastecimento aos rebeldes, uma vez que o
presidente Estácio Coimbra negou a infiltração da Coluna Sul.
A coluna Leste chegou a 18 quilômetros de
Princesa, no sítio Lagêdo Bonito; a Coluna Oeste conseguiu atingir
Patos, hoje povoado de Irerê, distante 20 quilômetros do reduto do
“coronel”, aprisionando mulheres
e crianças da família Pereira.
No dia 24 de março
de 1930, 150 homens enviados pelo chefe princesense lutaram dez horas e
conseguiram expulsar os invasores e libertar os prisioneiros.
A Coluna Norte, comandada pelo Capitão Irineu Rangel
devida a dificuldades do apoio logístico, foi desfeita.
Com o rompimento oficial do "coronel" José
Pereira em 23 de fevereiro de 1930, no município de Princesa, a justiça
deixou de funcionar, as aulas foram interrompidas e foi suspensa a
arrecadação de impostos.
No dia 14 de março de 1930, o "Jornal do
Commércio" do Recife publicava o manifesto do "coronel" José Pereira ao
povo brasileiro. (...)
O presidente João Pessoa, com a finalidade de
municiar a política do Estado, pede ao Ministro da Guerra, Nestor
Passos, "autorização para importar da França, cem mil cartuchos, para
fuzil Mauzer", em 8 de abril de 1930. A autorização foi negada.
O Governo do Estado prepara o golpe que
supunha fatal e envia à Princesa duzentos e vinte homens em doze
caminhões e farta munição sob o comando do tenente Francisco Genésio, e,
pasmem, para espanto dos leigos e estrategistas, um feiticeiro.
Dia cinco de junho de 1930, nas proximidades
de Água Granca, os comandos dos grupos mais experimentados dos rebeldes
emboscaram a tropa da Polícia. Os caminhões foram queimados; quem não
conseguiu fugir, morreu; inclusive o tenente Francisco Genésio e o
feiticeiro. Mais de cem mortos e quarenta feridos. (...)
Com a assinatura do deputado estadual e chefe
dos revoltosos, "coronel" José Pereira, do Prefeito Municipal, José
Frazão de Medeiros Lima, do presidente da câmara dos vereadores, Manoel
Rodrigues Sinhô e do vereador Antônio Cordeiro Florentino, foi publicada
na primeira página do "JORNAL DE PRINCEZA", do dia 21 de junho de 1930,
o Decreto n.º 01, proclamando autonomia político-administrativa em
relação ao governo Estadual,
porém subordinado politicamente ao poder político federal, cujo texto
transcrevemos a seguir:
"Decreta e proclama provisoriamente a independência do município de
Princesa, separada do Estado da Paraíba, e estabelece a forma pela qual
deve ele se reger. A administração provisória do Território de Princesa,
instituída por aclamação popular, decreta e proclama a Resolução
seguinte:
ART. I - Fica decretada e proclamada
provisoriamente a independência do município de Princesa, deixando o
mesmo de fazer parte do Estado da Paraíba, do qual está separado desde
28 de fevereiro do corrente ano.
ART. II - Passa o município de Princesa,
constituir com seus limites atuais, um território livre que terá a
denominação de Território de Princesa.
ART. III - O Território de Princesa assim
constituído permanece subordinado politicamente ao poder público
federal, conforme se acha estabelecido na Constituição da República dos
Estados Unidos do Brasil.
ART. IV - Enquanto pelos meios populares não
se fizer a sua organização legal, será o Território regido pela
administração provisória do mesmo território. Cidade de Princesa, em 09
de junho de 1930".
O texto, na íntegra, foi lido no expediente
do Senado, no dia 13 de junho do mesmo ano, pelo Senador Melo Viana, e
na Câmara Federal o Dep. paraibano Flávio Ribeiro Coutinho exibia um
exemplar do "JORNAL DE PRINCEZA".
No dia 18 de junho de 1930, o jornal da
capital paraibana "A União", publicava:
"... Para Clovis Bevilcqua, como para Paulo
Lacerda, como para todos os jurisconsultos pátrios que se hão
manifestado sobre o caso, o desmembramento de um território ou parte de
um Estado é contrário ao texto da Constituição Federal, por isso que
esta, em seu artigo 4º, se refere a Estados e ao modo porque podem
subdividir-se, annexar-se, a outros ou formar novos Estados,
desmembramento que, além disso, só se pode admitir por acto
administrativo.
Donde se infere, pela licção dos dois
insignes mestres, que a constituição de Princesa em território livre ou
autônomo não passa, como disse Paulo de Lacerda, em tom faceto, de uma
verdadeira patuscada".
Princesa ganhou projeção nacional e
internacional. Tinha suas próprias leis, seu hino, sua bandeira, seu
jornal, seus ministros e seu exército. Até Lampião, foi convidado pelo
delegado de polícia de Piancó, para lutar contra os revoltosos de
Princesa, e, o conceituado órgão da imprensa norte-americana, TIME,
dedicou uma longa matéria a respeito do Território Livre de Princesa.
(...)
No dia 6 de junho de 1930 o Governo do Estado
tentou nova investida contra a cidade rebelde. Enviou do Quartel General
da Polícia Militar, em Piancó, um avião pilotado pelo italiano Peroni,
com a missão de lançar panfletos, concitando o povo a abandonar a luta,
senão a cidade seria bombardeada dentro de 24 horas. O bombardeio não
veio. A missão falhou.
Conteúdo da mensagem do panfleto:
"O governo da Paraíba intima-vos a entregar as vossas armas. Vossas
vidas serão garantidas, dando o governo liberdade aos que não respondem
por outros crimes. Convém ouvir a palavra do governo. Deveis
apresentar-vos aos nossos oficiais. Dentro de 24 horas Princesa será
bombardeada pelos aeroplanos da polícia e tudo será arrasado. Evitai o
vosso sacrifício inútil. Ainda é tempo de salvar-vos. Não vos enganeis;
vossos chefes estão inteiramente perdidos". (Adicionado pelo Autor)
Com data de 22 de maio de 1930, o jornal do
governo "A União" publicava:
"As deserções entre os
ladrões e assassinos do traidor José Pereira aumentam diariamente,
principalmente agora que elles já sabem que o reducto central do seu
chefe poderá ser transformado em um montão de ruínas, dentro de poucos
minutos pela esquadrilha aérea da Força Pública".
E como resposta a
ameaça de Princesa ser bombardeada, veio a reação do "coronel" José
Pereira, que continuava dono da situação, e, com suas colunas de
guerrilheiros fustigava várias cidades do Estado da Paraíba, na
tentativa de atemorizar as tropas da polícia.
A primeira Coluna
composta de cinquenta homens, comandada por João Paulino, invadia
Pombal, Catolé do Rocha e Brejo da Cruz; também com cinquenta homens, a
segunda Coluna esteve em Piancó, sob a chefia de Pedro Gavião, numa
tentativa de destruir os dois aeroplanos ali pousados. Sessenta
combatentes da terceira Coluna passaram por Desterro, Monteiro, Camalaú,
Sumé e São João do Cariri, comandada por Antônio Zeferino; a quarta
Coluna, sob o comando do mais destacado guerrilheiro, Antônio Pessoa,
mais conhecido como Antônio Pitó, Cícero Bezerra e Laurindo Alves, com
um contingente de 150 homens, invadiu São José de Piranhas, na rota para
Cajazeiras. Uma outra frente invadiria as cidades fronteiras com o Rio
Grande do Norte, sob o comando do advogado Dr. João Dantas.
Mas a luta perde
sua razão de ser. O "coronel" José Pereira queria afastar o presidente
João Pessoa do governo, porém, o advogado João Duarte Dantas, por
motivos pessoais/políticos, assassinou o presidente do Estado da
Paraíba, na confeitaria Glória, no Recife, às 17 horas do dia 26 de
julho de 1930.
Com a morte do
presidente João Pessoa, o movimento armado de Princesa tomou novo rumo.
"(...) os homens de José Pereira comemoraram a vitória, mas o 'coronel',
pensativo, disse: 'Perdemos...! Perdi o gosto da luta'. Já prevendo os
acontecimentos futuros, decorrentes da morte do governador, falou: 'Os
ânimos agora vão se acirrar contra mim'. Os paraibanos ficaram chocados
com o assassinato de João Pessoa (a partir daí criou-se todo um mito),
e, em retaliação, perseguiram e incendiaram as casas dos perrepistas na
capital".
O Presidente da
República, Washington Luiz, decidiu terminar com a Revolta de Princesa e
o "coronel" José Pereira não ofereceu resistência, conforme acordo
prévio, quando seiscentos soldados do 19º e 21º Batalhão de Caçadores do
Exército, comandados pelo Capitão João Facó, ocuparam a cidade em 11 de
agosto de 1930.
José Pereira deixa a cidade no dia 5 de outubro de 1930 e inicia uma
longa saga de mudanças e ocultações, para evitar a perseguição do
governo paraibano. Depois de anistiado, em 1934, foi residir na fazenda
"Abóboras" em Serra Talhada. (Nota do Autor)
No dia 29 de outubro de 1930, a Polícia
Estadual, que não conseguira vencer a insurreição durante a luta, ocupa
a cidade de Princesa com trezentos e sessenta soldados comandados pelo
Capitão Emerson Benjamim, passando a perseguir os que lutaram para
defender a cidade ameaçada, humilhando e torturando os que foram presos
sem direito a defesa. Uma triste condecoração para os rudes sertanejos
que com bravura participaram de uma luta improvisada, e que teve um
balanço final, aproximadamente, de seiscentos mortos.
Em 19 de maio de 1930, o “coronel” José
Pereira, em declarações ao “Jornal do Commércio” do Recife, reconhecia
“250 baixas”. Vejamos:
“...Ora, eu me bato contra o governo da
Parayba há mais de sessenta dias. Como pois não classificar esta luta
onde já houve até agora cerca de 250 baixas, incêndios, dynamitação de
dezenas e dezenas de casas, assassinatos frios de crianças e mulheres
indefesas, prisão de senhoras como reféns, campos de aviação em
preparativos, aviões apprehendidos...”
Texto extraído de "Princesa Antes e Depois de 30", de Paulo Mariano.