Patos de Princesa, Patos de São José de Princesa, Patos Irerê...
Patos, inicialmente!
Joaquim Rodrigues veio de
Florença, na Itália. Chegou de navio ao Brasil e desembarcou
no porto do Recife. Tem alguns complementos de sua história
que seguem mais por deduções prováveis. “Florentino”: por
ser natural de Florença, ou por ter vindo de lá?
“Trazendo consigo considerável riqueza”: por conta dos
altos investimentos que fez na criação de Patos: terras,
cultivo e construções. “Marinheiro”: pelo fato de
trabalhar em navios, ser da marinha ou, simplesmente, ter
vindo de navio. “Não se sabe se veio com a esposa ou se
se casou no Brasil”: devido à existência de filhos, tinha
que ter uma mulher... . “Veio com seus irmãos”, porém
não se tem quaisquer relatos sobre eles.
Também não se sabe como teria
chegado ao vale fértil da região de Patos, como a
descobriram ou como se locomoveram até aqui. Em toda aquela
região havia somente três moradores, dos quais se citam dois
nomes: João Paulo e o outro Tião (Sebastião) - de sobrenome
Martins. Quando souberam que eles viajaram pelas águas,
começaram a apelidá-los de “patos”. A região absorveu o
“nome”, e começaram a chamá-la Patos. Juntamente com
Marcolino Lima - pai do coronel José Pereira Lima -
construíram Patos.
Joaquim “Florentino” teve os
filhos Floro, Marçal, Laurindo, Quinzim e Joaquina, que
receberam o sobrenome “Florentino Diniz”. O sobrenome
Rodrigues “desapareceu” e “nasceu” o Diniz... Alguns
compraram patentes militares e passaram a usar os nomes:
“major” Floro, “major” Laurindo, “coronel” Marçal. Quinzim
talvez fosse uma abreviatura diminutiva de “Joaquim Filho”:
Joaquinzinho, Quinzinho. Ele não comprou
patente, mas se tornou muito conhecido por ter sido o pai do
Padre Floro.
Joaquina Florentino tinha o
apelido de Joaquinina. Casou-se nos Patos com o
português João Antas Ferreira, dando início ao grande ramo
da Família Antas, no sertão paraibano.
PATOS, DE GLÓRIAS E DE
RUÍNAS
Rapadura, mel de engenho,
açúcar mascavo, álcool, vinho e cachaça eram alguns dos
produtos da usina da família. De Recife chegou o químico que
preparava as fórmulas para tudo. Vinham de lá – fora a carne
que era local - os tecidos, chapéus, medicamentos,
perfumaria, ferramentas e tudo o necessário para abastecer
as necessidades regionais. Os consumidores eram de Princesa,
Triunfo, São José, Manaíra, Tavares e tantas outras
comunidades. Também de Recife vieram empregados
especializados em tão modernos serviços que ali eram
ofertados. Depois de Recife, foi o primeiro lugar no
Nordeste a ter energia elétrica. A capacidade administrativa
de Marinheiro, entretanto, não conseguiu dar conta de tantos
desafios e seus empregados armaram um sistema de desfalque
tão grande que, quando percebeu, Joaquim estava na falência.
Vieram os credores e levaram tudo o que ele tinha.
Passou a morar na serra
do Pau Ferrado, onde era chamado de Quinca do Pau Ferrado.
Morreu pobre, de ataque cardíaco, em uma estrada de Vargem
da Cruz. Foi trazido de rede, por cerca de 50 homens, que o
sepultaram na igreja local de São Sebastião. Ali também
estão seu filho Marçal, a neta Alexandrina – Xanduzinha (¹)
de Marcolino - e outros pioneiros de Irerê.
Antônio Pereira era
irmão de Marcolino e de Xandu “Lima” (²) e casado com outra
Xandú (³), sua segunda mulher. Esta organizava novenas,
festas religiosas que duravam nove noites. Trazia de
Princesa uma banda de músicos que tocava de 10 a 19 de
janeiro, em comemoração ao padroeiro, São Sebastião. Os
bailes viravam a noite até a manhã seguinte. São Sebastião –
protetor contra as pestes -, tornou-se o patrono local, por
conta de um surto de varíola que matou muita gente na
região, no início do Século XX.
As três “Xandus”
(¹) Alexandrina
Florentino Diniz, apelidade de Xanduzinha, era filha do
major Floro e irmã da mãe de José Pereira, “Dona Lima.” Essa
Xandu, casou-se com o “caboclo” Marcolino Pereira Diniz, seu
primo.
(²) Essa, era irmã de
Marcolino Pereira Diniz, filha do coronel Marçal, e passou a
chamar-se Xandu Pereira, após casar-se com o coronel José
Pereira Lima.
(³) A terceira Xandu,
era a segunda esposa de Antônio Pereira, cunhada de
Marcolino Pereira Diniz.
Marcolino era filho do
coronel Marçal; cunhado, primo e sobrinho de Zé Pereira;
genro do major Floro – que era irmão do coronel Marçal -;
marido de Xanduzinha – que era tia de Zé Pereira -; irmão de
Xandu Pereira, ambos sobrinhos do major Floro e, para
completar, cunhado da terceira Xandu, esposa de Antônio
Pereira. Muito fácil de entender...
Patos Irêrê é berço das
principais famílias da região, de regiões circunvizinhas, da
Paraíba e dos estados fronteiriços como Pernambuco, Rio
Grande do Norte e Ceará. São originários de Irerê, dentre
outras, as famílias Antas, Diniz, Florentino, Martins, e
Pereira Lima.
Além da povoação de Patos que estava surgindo, com grandes
sinais de desenvolvimento e riqueza, havia a cidade de Patos,
também na Paraíba. Quando mercadorias, correspondências e
pessoas começaram a chegar a destinos trocados, Aluísio Pereira,
deputado e filho do antigo coronel José Pereira de Princesa
Isabel, onde a pequena Patos estava inserida, conseguiu alterar
o nome para evitar os desencontros. Na década de 1960, foi
acrescido o nome de um pequeno pato selvagem, de peito
avermelhado, encontrado na região, o irerê, passando a
denominar-se Patos Irerê. Quando voa, ele emite um grasnado que
lembra seu nome: I-R-E-R-Ê
Augusto, Joaquim e
Laurindo Antas Florentino, da esquerda para a direita.
Júlio, o caçula, não está. Foto cedida por João Alberto
Antas Florentino.
São filhos de Francisco Antas
Florentino, netos de João Antas Ferreira e bisnetos (pelo lado
materno), de Joaquim Marinheiro, italiano que colonizou a região
de Patos. Pelo lado paterno, são bisnetos do casal Antas que
veio de Portugal.
A Revolução de 1930
O Casarão dos Patos do Coronel
Florentino Diniz
Em Princesa (Princesa Isabel - PB - 1930), entre um dos mais
importantes líderes das tropas locais estava o fazendeiroMarçal
Florentino Diniz, poderoso e influente agro-pecuarista da
região, que juntamente com seu filho,Marcolino
Pereira Diniz, eram parentes e pessoas da inteira confiança docoronel
José Pereira. O coronel Marçal Diniz possuía no então distrito
dePatos de Princesa,
a 18 quilômetros da cidade, uma fazenda localizada no sopé da grande
serra do Pau Ferrado, o segundo ponto mais elevado da Paraíba, com
cota máxima em torno de 1.130 metros de altitude e foi para esta
fazenda que o comando da polícia paraibana ordenou queClementino
Queléatacasse a casa
grande do poderoso coronel.
A idéia deste ataque visava dividir as forças do coronel José
Pereira, que teria de retirar homens da frente de combate de
Teixeira, para socorrer os familiares da família Diniz que estavam
no casarão, bem como formar com as reféns uma espécie de cordão de
isolamento, um escudo humano, que objetivava garantir a segurança
dos militares. Pensavam que, agindo assim, nenhum defensor de
Princesa ousaria atirar nos combatentes do governo paraibano.
Outra teoria seria a de levar as mulheres como prisioneiras, ou
reféns, para a cidade de Paraíba do Norte (atual João Pessoa) e
forçar os comandantes de Princesa a alguma espécie de negociação.
Não havia muitos defensores pertencentes aos grupos do coronel José
Pereira, ou de Marcolino Diniz e a força policial de Quelé ocupa o
local sem maior oposição. Na casa estavam entre outras pessoas, as
mulheres de Marcolino Diniz, Alexandrina Diniz (também conhecida
como Dona Xandu, ou Xanduzinha) e a de Luís do Triângulo, Dona
Mitonha. Luís do Triângulo era um dos mais valentes e destacados
chefes dos combatentes de José Pereira.
A batalha
Neste intervalo, o grupo de combate comandando por Marcolino
encontrou um soldado da polícia de nome Zeferino, o qual seguia com
uma mensagem do Sargento Quelé ao Delegado Geral do Estado, Severino
Procópio, informando da ação contra o casarão.
José Pereira e Marcolino Diniz recebem a notícia da prisão de seus
familiares. Tomam esta ação como uma afronta, uma falta de respeito
e preparam o contra ataque. Ordenam que parte de suas tropas que
combatiam as forças policiais do governador João Pessoa na região de
Tavares, se deslocasse para Patos de Princesa e ordenam que os
homens levem farta munição. Outros combatentes conclamam moradores
da região para o ataque, enaltecendo a covardia de Quelé, que usava
mulheres como escudos. Este chamamento dos líderes de Princesa e de
seus homens encontra eco entre membros das comunidades de Princesa eAlagoa
Novae estes decidem
seguir com o grupo que vai retomar o “Casarão dos Patos”.
Dentre os
participantes do grupo que partiu deAlagoa
Nova, estavam presentes Marçal Cosme, Joaquim Rodrigues e
outros.
Na noite do
segundo dia após o bem sucedido ataque de Quelé ao casarão da
família Diniz, a situação permanece inalterada. Segundo relatos dos
reféns, os soldados, com raras exceções, se portaram de forma
vândala e arrogante durante a ocupação.
Enquanto isso os combatentes de Princesa vão discretamente fechando
o cerco ao casarão. Aparentemente, por falta de comunicação com seus
comandantes, Quelé não abandonou a posição e levou seus
prisioneiros. Outros acreditam que ele logo percebeu que estava
cercado e esperou o inevitável.
O certo é que na manhã do terceiro dia de ocupação, o céu se
apresentava nublado, os defensores do casarão estavam tranqüilos,
apesar da tensão existente na região. Alguns esperavam o café,
outros até jogavam uma improvisada partida de futebol (possivelmente
com uma bola de meia), no pátio defronte a casa. É quando o primeiro
tiro é detonado em um soldado que vinha do Sítio Pedra e trazia um
carneiro para abate, aí tem início um inferno no “Casarão dos
Patos”.
A polícia estava cercada na casa, se defendendo como podia, o
sargento Quelé vai animando seus policiais em meio a uma intensa
troca de tiros e insultos entre as forças combatentes.Marcolino Diniz, à frente dos seus homens, está com o “cão no
couro”, comandando, disparando e mandando buscar cachaça nas bodegas
da pequena vila de Patos de Princesa para “esquentar” seus “cabras”.
Esta cachaça era trazida em sacos, distribuída francamente entre
seus combatentes. Até hoje se comenta na região como os
distribuidores da bebida terminaram os combates totalmente
embriagados e sem dispararem um só tiro.
O tiroteio é cerrado. Colocar a cabeça muito exposta nas janelas do
casarão é motivo para que algum policial se torne um alvo fácil. Já
os homens de Diniz continuam disparando sem cessar. Eles estão
espalhados em todo o perímetro, protegidos por árvores, pedras,
pelos muros e paredes das poucas casas vizinhas.
O combate prolongou-se até as dezesseis horas do mesmo dia, quando a
polícia praticamente estava sem munição e seus disparos tornam-se
esparsos. É quando os homens de Marcolino, aproveitando uma forte
chuva que desabava e a existência de um canavial nas imediações do
casarão, partem para o assalto final.
Durante a invasão é travado um forte combate corpo a corpo em cada
uma das dependências da casa. Gritos, pancadas, socos, pontapés,
dentadas, tiros, facadas e sons de lutas ocupam o ambiente. Os
homens de Quelé procuram à fuga, mas estando o casarão cercado,
muitos são abatidos impiedosamente pelos combatentes de Marcolino.
Alguns policiais fugiam, feridos ou não, pelo mesmo canavial que
serviu de abrigo para os atacantes e de lá seguiam para a serra do
Pau Ferrado. Nesta fuga, muitos combatentes se cruzavam, às vezes
cara a cara, dentro do canavial e tiros ou facadas eram desferidas a
curta distância.
Marcolino, atiçado pela bebida e já dentro do casarão, prometia aos
gritos “vou sangrar todo mundo, até Xandu” que no seu entendimento
de valentão do sertão, com um pensamento extremamente machista,
imaginava que a sua mulher já havia sido estuprada e aí só
“sangrando para limpar o corpo”. Mas Xandu e as outras mulheres
estavam bem e foram preservadas por Quelé e seus homens. Todas
estavam em um quarto, acompanhadas de um soldado ferido na perna,
que conseguira desarmar uma bomba (ou granada?), que o sargento
Quelé colocara no recinto. O soldado salvou a vida das reféns, sendo
igualmente salvo pelas mulheres de ser impiedosamente sangrado por
Marcolino e seus “cabras”.
Após isto, Marcolino e seus homens seguiram pelos vários recintos do
“Casarão dos Patos”, chacinando os policiais que não fugiram. Dos
militares que lá dentro se encontravam, não sobrou nenhum vivo, pois
até o soldado que havia salvado as mulheres, morreu no mesmo dia,
devido aos ferimentos, quando era transportado para a vizinha cidade
pernambucana de Triunfo.
Segundo relatos dos moradores da região, havia até recentemente, em
alguns quartos da casa, registros de mãos ensangüentadas nas
paredes, mostrando a agonia deste dia terrível.
Quanto a Quelé, vendo-se acossado pelos homens de Marcolino e
escutando o próprio caudilho dos Patos de Princesa gritando dentro
do casarão que “queria pegar Clementino e matá-lo sangrado”, pulou
do andar superior, juntamente com dois soldados e juntos fugiram em
direção ao canavial. Já era noite quando conseguiram chegar à serra
do Pau Ferrado, depois seguem paraAlagoa
Novae ao encontro
das forças de João Pessoa. O restante dos militares que escapou com
vida embrenhou-se em território pernambucano.
O resultado do combate e o
fim da guerra
Das forças de José Pereira e Marcolino Diniz houve apenas uma baixa,
um senhor de nome Sinhô Salviano, possivelmente sob efeito da
cachaça, desprezou as ordens e ficou sob a mira dos soldados.
Para alguns pesquisadores, as forças paraibanas perderam mais da
metade do efetivo, mas segundo os relatos que se perpetuam na
região, contados por aqueles que participaram do conflito e
transmitidos para seus descendentes, foram mortos em torno de
cinqüenta policiais, sendo seus corpos enterrados em uma vala comum
nas proximidades do casarão. Os equipamentos bélicos dos policiais
mortos foram recolhidos pelos combatentes de Princesa para reforço
de arsenal.