Marcos Passarinho
– Era natural de Alagoa Nova (Manaíra - PB). Era um cangaceiro
desalmado e violento e entrou no cangaço com menos de dezesseis anos, no
início da década de vinte, tendo praticado muitos assassinatos.
No dia
17 de dezembro de 1923, no lugar Caracol, município de Conceição do
Piancó (PB), assassinou Raimundo Nogueira, roubando-lhe dinheiro e
roupas. Seis dias depois, juntamente com o cangaceiro Juriti, assassina
o irmão da vítima, Amaro Nogueira, que procurava vingar o irmão. No dia
seguinte, ferido por sua segunda vítma, foi preso pelo subdelegado da
vila de Patos, Município de Princesa (PB), no dia 24 de dezembro de
1923, no momento em que tentava matar uma de suas vítmas que reagia ao
assalto. A vítma matara o companheiro de Passarinho, José Juriti, e o
ferira. Depois de cumprir pena no presídio de João Pessoa, radicou-se no
município de Areia (PB), abandonando o cangaço e constituindo família,
vindo a falecer com mais de noventa anos.
Belo Cazuza (Benedito) – Era natural de Areias de
Pelo Sinal, Manaíra, filho de Manoel Cazuza. Participou do grupo de
Lampião, no início da década de vinte, passando a andar com o grupo de
Antônio Rosa, que agia sob o comando de Lampião. Entrou jovem no cangaço
com o sonho de se tornar famoso e rico. Em sua época via duas boas
alternativas para isso: ou o cangaço, ou a polícia. Para os jovens de
sua região, essas opções eram a mesma coisa, levavam ao mesmo fim. Fora
isso só restava a enxada e a roça. Foi morto em 29 de outubro de 1923,
em combate com a polícia pernambucana do tenente Amadeu Guimarães.
Caixa de Fósforo ou
Caixa de Fósco – Não se tem
notícias de suas origens, mas teria sido criado em uma fazenda do
município de Custódia (PE), após ser abandonado por seus pais ainda
bebê. Andou com Lampião no início da década de vinte.
Estava
em Nazaré (PE), no tiroteio com a volante pernambucana, comandada pelo
sargento Alencar, em 1º de agosto de 1923.
Durante
muito tempo não se teve notícias de seu destino, até que se associou aos
comandados do “coronel” José Pereira, em Princesa (PB). Circulou algumas
vezes por Alagoa Nova, onde era conhecido por Zé Caixa de Fósco,
e participou da Revolta de 1930, quando faleceu.
Seu nome
completo era José Sobrinho da Silva, foi cangaceiro, policial e depois
voltou ao combate junto aos “cabras” de Zé Pereira. Fumava muito e vivia
quase sempre com uma caixa de fósforo na mão. Em 1930, entrou em Alagoa
Nova, pelo Barrocão, para comprar cigarros. No local onde hoje tem o
Cartório, foi alvejado pela polícia, em uma perna, com uma bala
explosiva. Colocaram ele em um cobertor e o levaram à Princesa, mas não
resistiu e lá foi enterrado.
Manoel Zezé
– Pouco se sabe sobre ele, talvez fosse Manoel José, o seu nome,
segundo um parente. Era irmão de Idalina Elói, cunhado de Antônio Elói,
do sítio Baixio. Guardava o fruto de seus assaltos com Idalina. Com sua
morte e a de Lampião, essas riquezas ficaram com Idalina e Antônio Elói.
Entre os objetos guardados, há quem lembre de ter visto um cacho com
três bananas de ouro, um prato grande de prata, montes de moedas de ouro
e de prata, além de várias jóias. Todos teriam sido vendidos para
comprar as fazendas de Antônio Elói.
Corró
– Pernambucano, juntou-se a Lampião em 1923. Participou dos seguintes
tiroteios:
·Ataque à família Quirino, em
fevereiro de 1924.
·Ataque à cidade de Sousa, em
27 de julho de 1924.
·Batalha da Baixa Verde
(Boqueirão – Manaíra - PB), nos primeiros dias de agosto de 1924.
·Estava no grupo, comandado
por Livino, Antônio Ferreira e Chico Pereira, em 8 de agosto de 1924, no
sítio Areia de Pelo Sinal (Manaíra - PB).
Há quem afirme que morreu nesse combate do
Pelo Sinal, outros dizem que foi um dos cangaceiros mortos na batalha de
Serrote Preto (AL), em 22 de fevereiro de 1925.
Laranjeira
– Integrou um dos primeiros bandos de Lampião no início da década de
vinte.
·Participou do combate em
Nazaré (PE), em 1º de agosto de 1923.
·Participou do ataque q Sousa
(PB), em 27 de julho de 1924.
·Participou da batalha da
Baixa Verde (Boqueirão – Manaíra - PB), nos primeiros dias de agosto de
1924.
·Foi ferido em 8 de agosto de
1924, no sítio Areias de Pelo Sinal (Manaíra - PB), em combate
com as volantes comandadas pelos sargentos Clementino Quelé e Higino,
morrendo pouco depois.
Tocha
– Era cangaceiro independente, ligado a Manoel Lopes e Marcolino Diniz,
dos Patos de Princesa (PB). Veio com Lampião, Antônio Ferreira e Doca,
no dia do pagamento da promessa, no cruzeiro de Alagoa Nova (Manaíra –
PB). Chegou a integrar o bando de Lampião na década de 30, tendo
desertado pouco tempo depois. Monoel Lopes Diniz, juntamente com Tocha,
mataram o cangaceiro Meia Noite, no sítio Tataíra, a mando do coronel Zé
Pereira.
Outros cangaceiros
que estiveram nessas terras:
Antônio e Livino Ferreira, Sabino, Laranjeira, Asa Branca, Curió,
Estrela-Dalva, Ventania, Manuelito e Zé Vicente (apelido de Chico
Pereira).
Virgulino Ferreira da Silva
No período entre 1923 e 1927, Lampião e seu bando de cangaceiros
encontraram refúgio nessas terras, sob a tutela de Marcolino
Pereira Diniz, pelo lado de Irerê e, de Antônio Elói, Manoel
Cazuza e outros pequenos fazendeiros, pelo lado de Alagoa Nova.
A Serra do Pau Ferrado divide essas duas áreas.
No povoado de Patos, à época pertencente à
Princesa, estava Marcolino, filho do coronel Marçal Florentino Diniz.
Ambos eram, de longas datas, amigos pessoais de Lampião, prestando-lhe
guarda e ajuda, ali onde ele se escondia. Também faziam a parte de
informantes do bando, atualizando-o sobre os acontecimentos vindos dos
lados de Princesa.
No outro lado da Serra do Pau Ferrado há um
vale fértil e de baixios, que eram de propriedade de Antônio Elói,
pertencente ao povoado de Alagoa Nova. Antônio abrigava o bando e
fornecia-lhes mantimentos e serviços de comunicação. Em troca recebia
“segurança” e algumas prendas em dinheiro, ouro e joias.
O CASAMENTO DE DOCA
Entre as terras desses guardiões, no
povoado de São José, a 6km de Alagoa Nova, morava Doca. Manoel Bezerra
de Macena, mais conhecido como Doca, era pai de Quitéria, de China e de
Zé de Doca. Casou-se com a manairense Isabel Ferreira da Luz, conhecida
por Isabel de Doca e que era tia de Didi Pereira da Silva. Todos esses
nomes são de pessoas bem conhecidas dos manairenses. Ambos são
descendentes dos primeiros fundadores da Fazenda São José. Ele,
descendente de José Bizerra Leite, ela de Ignacio ou de Felix Ferreira
da Luz.
Na juventude, Doca teria estudado algumas
aulas junto com Virgulino Ferreira, construindo certa amizade,
mantendo-a mesmo depois que este enveredou pelas trilhas do cangaço.
Nos anos 20, junto com Marcolino,
comunicaram um local, julgado seguro, que permitiu a Lampião apoiar-se
por vários anos nas imediações do Pau Ferrado.
Doca teve um desentendimento com o chefe do
povoado onde residia e isso passou a trazer-lhe certos desconfortos.
Quando resolveu casar-se com a manairense Isabel Ferreira da Luz, queria
que a celebração ocorresse no São José, onde morava. O chefe da
localidade mandou um recado a Doca informando que não permitiria que
houvesse festa no casamento. Seria muita gente e ia fazer muito barulho.
Naquela época, casamento tinha que ter o baile, mas ninguém podia ir
contra uma ordem de um mandatário local.
Lampião soube dessa notícia e mandou um
recado para Doca: “Amigo, pode contratá o sanfoneiro e
organizá o baile que ninguém vai atrapaiá.”
No dia 23 de novembro de 1923, depois do
casamento, chegou uma tropa armada. Vieram “passar a guarda” no
casamento (garantir a tranquilidade). “Lampião apitou num apito e mandou
chamar Pai”. Pai foi e Lampião disse “pode botá o baile que eu
quero vê quem num qué escutá”.
A festa aconteceu, o sanfoneiro tocou e
nada interrompeu a alegria. Atrás da casa, sob as árvores, ficaram os
cabras, aos quais foi servido um farto jantar. Há quem diga que eram 17,
outros afirmam que eram 40 cangaceiros. Doca chamou Lampião para jantar
dentro da casa e, ali pela madrugada, o convidado disse: “a festa tá
boa, Doca, mas eu vou imbora.”
Lampião levou como presente de casamento,
para Doca, uma garrafa de fino vinho francês, envasado em garrafa de
cristal decorado (foto à esquerda). Para Isabel, levou uma “vorta
(colar) de muito bom tamanho, vorta de ouro e mais um pá
de dois brinco” (foto à direita). Quitéria conta que, muitos anos
depois, Isabel trocou por um cavalo, somente os brincos. “Mas o cavalo
morreu. O cavalo era de Filiciano, mas Filiciano morreu.
Ele deu os brinco a Maria de Zé Grande, mas Maria de Zé Grande
Morreu. Depois eu não sei mais não, acho que ninguém teve sorte com eles
(os brincos)”.
Vinho francês, para Doca
Brincos e colar de ouro, para Isabel – Presentes de Lampião
Não somente na época do casamento, mas em
outros momentos de lazer, na sala da casa de Doca tinha uma mesa onde
Lampião fazia suas refeições e se distraía, jogando cartas de baralho. A
mesa tinha uma grande gaveta, com fundo falso.
“Na revorta de 30 pai amarrou dois
fuzi debaixo da gaveta (no compartimento do fundo falso). Os
sordado vieram, quebraram tudo, inxero a casa de buraco de
tiro, mas quando a guerra acabou nós chegô do Brejo (Triunfo) e
nós chegô e tava lá os dois rife, a Puliça num
achô.”
Uma bandeja em grosso alumínio era o prato
utilizado pelo cangaceiro para sua alimentação. A casa ainda mantém-se
de pé e é cuidada pela filha mais velha do casal que nos reconta essas
histórias . (Narrações de Quitéria de Doca)
LAMPIÃO EM PATOS
Em março de 1924, Lampião e nove de seus
homens seguem em direção a serra do Catolé, nos limites de Vila Bela
(Serra Talhada) com a Paraíba e ficam ali acampados. Informados de
operações dos cangaceiros naquela região, várias volantes começam a
reunir-se nas imediações da Lagoa do Vieira (PE), com o objetivo de
intercepta-los. Ali estavam três volantes, com cerca de cem soldados,
comandadas pelo major Teófanes Torres, de Vila Bela. Alguns soldados, ao
se dirigirem para o local do encontro, defrontaram-se com Virgulino e
mais dois homens. Iniciaram o tiroteio e o chefe dos cangaceiros foi
atingido por um tiro no pé esquerdo, abandonando o combate que foi
engrassando com a chegada dos outros cangaceiros e das volantes. Lampião
ficou ferido, isolado de seu grupo, escondido em uma moita de arbustos
justamente no local de passagem das volantes. Teria sido fácil
encontrá-los pelas marcas de sangue nas folhagens, se não fosse o
socorro prestado por alguns cangaceiros, liderado por Antônio Rosa, que
desviou a atenção da polícia, levando-a para outra direção.
Passou ali dois dias sem socorro. Quando
foi encontrado por seus companheiros, já estava batante enfraquecido,
febril e apresentava o membro inferior bastante infeccionado e cheio de
vermes. Fizeram os curativos de emergência usando creolina e ácido
fênico e buscaram reanimar suas forças com alimentação à base de leite,
angú e rapadura. No terceiro dia, seu irmão Antônio Ferreira o levou
para uma gruta – que ficou conhecida como a Gruta do Cangaceiro –,
localizada no pé da Serra das Abóboras, que extrema com a Serra da
Bernarda.
Deixando seu irmão em bons cuidados, partiu
Antônio Ferreira, a toda a brida, para Princesa, onde participou ao
coronel Zé Pereira o ocorrido.
Em 3 de abril, cinco dias
depois, Antônio Ferreira retorna com um grande grupo armado, fornecido
pelo coronel Zé Pereira, para, com segurança, transportar Lampião até a
fazenda de seu cunhado Marcolino Pereira Diniz, no Saco dos Caçulas, em
Patos de Princesa.
Um cidadão de nome José Alves
Evangelista, cedeu sua casa nova para a hospedagem de Lampião. Estava se
preparando para casar, construíra a casa e ainda não a tinha habitado.
Ali, Lampião foi operado pelo médico Dr.
Severiano Diniz, que fez a recomposição dos ossos esfachiados da perna.
Esse médico acompanhou o tratamento por de três meses, e também na
convalescença. O Dr. José Cordeiro de Lima, de Triunfo também assistia
ao enfermo.
Os cangaceiros, em lugares
estratégicos como o Livramento, o Pau Ferrado, além do Saco, montavam
rigorosa vigilância para que nada atrapalhasse a recuperação de seu
Chefe.
O CRUZEIRO DA LAGOA
Em Alagoa Nova havia um Cruzeiro, pequeno
monumento com uma cruz e uma janelinha. Em seu interior eram colocadas
velas acesas, protegendo-as do vento, e também, “objetos de promessas” -
próteses, réplicas de mão, braço, pé e cabeça –, tudo aquilo que
simbolizasse uma cura naquela parte do corpo. Ele situava-se junto à
Lagoa Velha, entre esta e a Lagoa Nova.
Lampião havia passado algumas vezes ao lado
Cruzeiro, quando viajava utilizando esse caminho que incluía o Pau
Ferro, passando pela lagoa, em direção ao Constantino, para chegar a
outras localidades. O mesmo se dava no retorno. Em uma dessas passagens,
fez uma promessa diante do Cruzeiro.
Em 1924, no final do mês de julho, Lampião
envia seus cangaceiros, comandados por seu irmão Livino e por Chico
Pereira, que também tinha um bando. Com eles foram alguns da região dos
Patos de Princesa.
Sousa era uma cidade grande, e os roubos,
maltratos à população e a suas autoridades, tiveram uma grande
repercussão na Paraíba, motivando severas críticas a José Pereira, de
Princesa, porque se comentava que ele protegia os cangaceiros. Revoltado
com as críticas e com o propósito de provar que não estava de acordo com
isso, José Pereira organiza as tropas policiais da região e um grupo de
seus comandados para expulsar Lampião, que estava em terras de seu
município.
O coronel envia uma mensagem, por Manoel
Lopes, para o chefe dos bandoleiros, dando-lhe o prazo de 24 horas para
desocupar o Saco dos Caçulas. Isso causou grande revolta no
cangaceiro, contra o coronel.
Lampião lembrou-se do compromisso religioso
feito no Cruzeiro de Alagoa Nova e não queria partir antes de pagar a
promessa. Ele também tinha seus momentos de religiosidade e combinou
a ida com o irmão, possivelmente o Antônio e o cangaceiro Tocha. Seguiu
para São José, onde comunicou a Doca: “Tenho uma promessa pra pagá no
cuzero de Lagoa Nova”. Dali seguiram com Doca. Os quatro passaram pelo
arruado no final da tarde e foram até o Cruzeiro fazer suas orações.
Após pagar a promessa, Lampião disse: “Vamo simbora”. Ele teria deixado
dinheiro com alguém para pintar o cruzeiro. Voltaram à “boca da noite”,
sem serem reconhecidos, deixaram Doca em São José e se transferiram do
Saco dos Caçulas para o Alto do Pau Ferrado, onde tinham o apoio do
fazendeiro Antônio Né, da família Marcelino.
TIRO NO PÉ
31 de julho a 3 de agosto de 1924
Existe um detalhe curioso na literatura do
cangaço, em que autores narram esses dias com duas versões distintas.
Vários deles escreveram que, fugindo do cerco da polícia, Lampião desceu
pelo Boqueirão e seguiu em direção ao Pelo Sinal. Após os tiroteios no
Boqueirão e Impueira, o mais famoso de todos é conhecido como o Fogo
de Areias de Pelo Sinal. Esse confronto deu-se na casa de Manoel
Cazuza. O último cidadão vivo, que esteve naquele momento, é um afilhado
de Cícero Cazuza (irmão de Manaoel), de nome Cícero Nunes de Amorim
(Nego). Ele afirma: “eu tava lá, mas tava na barriga de mãe. Mãe tava
grávida, eu não vi, mas ela e pai e meu padrinho (Manoel) me contaram
muitas vezes, desde que eu era menino. Eu sei de tudo”.
Quando lhe perguntei como tinha sido o
combate e como era Lampião, ele disse com toda segurança: “Lampião num
tava não, quem tava era Livino, o irmão dele”. Por mais que eu
insistisse, ele e seus familiares garantiram que era somente Livino e os
cangaceiros, sem Lampião. Manoel Cazuza conhecia muito bem os irmãos
Ferreira e podia assegurar quem realmente esteve em sua casa. “Quem
também entrô no cangaço foi Belo Cazuza (Benedito), filho de meu padim
Mané Cazuza.”
Em seu livro, O Canto do Acauã, de
Marilourdes Ferraz, pág. 230, encontra-se o seguinte: “A casa estava
ocupada por Livino Ferreira, que ofereceu pesada resistência.” Também
outros escritores descrevem como sendo Livino o comandante dos
bandoleiros naqueles momentos. Luís Pedro não é citado como um dos
cangaceiros presentes ao ataque. Isso ratifica a tese de que Lampião não
estava nesse combate. Mas onde ele estaria, se estava no Pau Ferrado e,
de lá, os cangaceiros seguiram em direção ao Pelo Sinal, sem ele?
Lampião ainda não estava curado do
ferimento do pé e andava mancando. Não daria para enfrentar uma fuga
desenfreada com várias volantes em sua perseguição. Estrategista
experiente que era, teria disfarçado seu distanciamento do bando,
espalhando cangaceiros em várias direções. Essa tática, já utilizada em
outras situações, funcionou perfeitamente. Tiroteios na região de
Cachoeira de Minas, no Pau Ferrado, no Boqueirão, na Impueira...
Hipótese levantada pelo autor:
Lampião estaria se dirigindo para Triunfo (PE), em companhia do
cangaceiro Luís Pedro Cordeiro, que era triunfense e parente do
Dr. José Cordeiro. Esse médico, juntamente com o Dr. Severiano Diniz,
estava cuidando do ferimento da perna de Lampião, no Saco dos Caçulas,
em Patos. Lampião subiu o Pau Ferrado, separou-se dos companheiros que
se dirigiram à Alagoa Nova e foi à Triunfo, continuar o tratamento, pois
não podia mais fazê-lo na Paraíba.
Em Triunfo foi produzido um pequeno filme
intitulado “Tiro no Pé” (disponível no YouTube), que conta a saga de uma
semana na qual Lampião ficou oculto em Triunfo, cuidando da saúde do pé,
com o Dr. Cordeiro e Luís Pedro. Sabendo desse ocorrido, fomos a Triunfo
e procuramos nos inteirar das fontes para a história da filmagem. Nossa
surpresa foi grande quando soubemos que aquele período coincidia com a
saída de Lampião da região do Pau Ferrado.
No Engenho Triunpho, encontramos com o Dr.
Haroldo Paiva Rodrigues, que nos contou muitos fatos de sua vida,
mostrou reportagens e fotos em que se apresenta como Gandhi, por conta
de sua semelhança física com o líder Indiano Maratma Gandhi. Exibiu
também as fotos de seus pais, Liraucio Rodrigues da Silva e Adauta Paiva
Rodrigues, dos quais nos permitiu copiar as fotografias.
Conseguiu-nos cópia do filme “Tiro no Pé”,
mas ressaltou os fatos reais - diferentes daqueles apresentados no filme
-, ocorridos naqueles dias em que seus pais acolheram em casa, por oito
dias, Lampião e Luís Pedro. O Dr. Cordeiro ia sempre à noite, para não
chamar a atenção da população ou de qualquer curioso. Fazia os curativos
e aplicava os medicamentos.
Após o período de repouso e convalescença,
o hóspede partiu sem que ninguém se apercebesse de sua permanência ali.
Lampião deixou como recordação um livro de História do Brasil e um
estojo de barbear, que Dr. Haroldo guarda com bastante carinho.
Adauta Paiva Rodrigues
Liraucio Rodrigues da Silva
Reencontrando-se com os
demais bandoleiros, Lampião busca uma região mais calma para se
reorganizar e recompor armamentos e munições que estavam bastante
reduzidos.
“ANTÔILÓIA”
Dá para se escrever um livro de casos e de
“causos” sobre a figura pitoresca de Antônio de Elói, Antônio Elói, “Antôilóia”,
ou “Tôilóia” como o chamavam. Era baixo, forte, chegava a Manaíra, nos
dias de feira, sempre montado em seu cavalo arreado. Era de pouca
conversa, mas simpático a muitos. Tinha a fama de ser bastante
econômico, apesar de possuidor das maiores propriedades de terra na
região dos Baixios e Serra da Bernarda. Dos fatos mais simples que se
conhece é que adoçava o café com rapadura por que era mais barato do que
o açúcar. Comentavam que era possuidor de muitas moedas e joias de ouro
e prata que, somente em período recente, foram associadas a favores que
Lampião lhe teria concedido em troca de amizade e abrigo. Também são
famosas as narrativas das botijas que ele encontrou. O que parece
mais provável é que ele teria recebido de Lampião, para guarda, certa
fortuna. Quando Lampião precisou partir às pressas, não teve
oportunidade de voltar ao Baixio para reaver os bens guardados. Por
segurança, vários lotes de joias e moedas teriam sido enterrados em
lugares distintos e ali permanecido durante anos. Após a notícia da
morte do bando, nos Angicos, teria vindo a certeza de que os bens não
seriam reclamados. Já anciã, a filha mais nova de Antônio Elói nos
contou a história de que ele e a esposa “desenterraram pelo menos sete
botijas”. O mais curioso é que o Antônio sempre afirmava que era muito
pobre, porém, quando aparecia uma grande fazenda que estivesse à venda,
e esta fizesse limite com a dele, ele queria comprar. Chegava para a
esposa e dizia: “Idalina, tem uma terra ali que eu tinha tanta vontade
de comprar, mas eu não posso, não tenho dinheiro”. Na noite desse dia a
mulher dele tinha um sonho. Alguém que já havia morrido aparecia nesse
sonho e dizia a ela um local onde havia algo enterrado, tinha ouro, era
uma botija. Por cinco vezes o pobre “Antôilóia” lamentou-se por
ser pobre, por cinco vezes lhe foi oferecida uma boa fazenda, por cinco
vezes Idalina sonhou com botija e, por causa desses sonhos, ele
tornou-se proprietário dessas cinco fazendas... Mesmo após a morte dele,
conta-se ainda que duas botijas foram encontradas.
Antônio tinha um irmão de nome Manoel. Era
o caçula e soube-se que ainda estava vivo. Fomos à sua procura no alto
da Serra da Bernarda. Perguntávamos se alguém conhecia a residência de
Manoel Elói. Passamos toda uma manhã nos arredores de sua casa sem que
ninguém o identificasse. Somente quando falamos que era irmão do “Antôilóia”,
alguém disse: “ah, é o ‘Manélóia”. Foi uma grata surpresa a entrevista
que tivemos com ele. Cidadão de idade avançada, de uma cordialidade fora
do comum. Memória viva e lúcida, narrou-nos histórias desde sua
infância.
Era “galego”, tinha em torno de dez anos.
Desceu a Bernarda, ia descendo o Boqueirão na direção da casa do irmão.
Aproximou-se dele uma caravana montada a cavalo. Chapéus de couro
enfeitados, um bocado de “espingardas”, até aí tudo normal. Mas quando
um dos cangaceiros disse: “vô pegá o minino prá capá”, “Manélóia”
disparou no mato em uma carreira tão grande, que não notou os galhos de
mato e de espinhos que lhe iam rasgando a pele e a roupa.
Pouco tempo depois os cangaceiros “apearam”
na casa de “Antôilóia”, assentaram-se na sala e, enquanto conversavam,
entrou correndo um galeguinho assustado, todo arranhado do mato. Ao
reconhecê-lo, Lampião perguntou: “Toinlóia, esse minino é seu?” – “É meu
irmão”, respondeu Antônio. “Me ardiscurpe, eu num sabia. Dissero uma
pilhéra com ele e ele saiu perdido no mato”, encerrou o chefe do
cangaço.
Casa Grande, de Antônio Elói, no sítio Baixio, Manaíra. Por
várias vezes acolheu Lampião e seus companheiros. Anos depois,
em volta dela, foram desenterradas várias botijas, por Idalina,
esposa de Antônio. - Telhado novo, mas mantem a mesma estrutura
anterior e o anexo nos fundos.
Foto do autor (2013)
Recentemente Dona Jardelina, filha de Antônio Elói, nos contou: “Mãe era
pequena e ajudava Vó. Vó fazia o almoço e mãe ajudava ela. Lampião
gostava muito de capão assado com farofa e de bode cunzinhado.
Toda vez que ele vinha para a casa que ficava na Vaca (sítio próximo ao
Baixio, de Antônio Elói), Mãe ajudava Vó”.
O MENSAGEIRO DE LAMPIÃO
O Cangaceiro tinha esse ponto de
apoio seguro no Baixio, mas “atuava” nas proximidades onde buscava
“ajuda” financeira para suas necessidades.
Certo dia Lampião escreveu umas cartas
pedindo “ajuda” a alguns fazendeiros “mais bem de vida” e mandou
“Antôilóia” entregar as missivas, devidamente assinadas. O fato mais
curioso é que uma dessas cartas era destinada ao próprio Antônio. Ele
levantou seu chapéu de couro – era dos pequenos, quase sem aba – coçou a
cabeça, matutou e partiu para a difícil missão. Ao voltar, fez sua
prestação de contas e disse: “Entreguei tudo. O meu eu num tenho,
mas tem meu cumpade fulano que vou pedi emprestado”. No
dia combinado com os fazendeiros foi fazer o recebimento das “ajudas”.
Antônio era matreiro, sabido, que ninguém desconfiava. Ao voltar,
novamente fez sua prestação de contas e disse: “recebi de todo mundo,
mas ficou tarde e não deu tempo de ir na casa de meu cumpade
prá pedir o meu emprestado, mas amanhã eu vou”. Lampião, reconhecendo
que Antônio já tinha ajudado bastante, dispensou a contribuição dele.
A CANA DE MIGUEL
SATURNINO
Um desses fazendeiros, Nenem Migué da
Travessia (Miguel Saturnino), tinha um bom partido de cana, uma
bolandeira em seu engenho e fabricava boa cachaça. Em seu bilhete, entre
as doações que deveria fazer, estavam umas ancoretas de cana.
No dia e local combinados, chega Nenem com os burros e quatro ancoretas
cheias de cachaça. Entrega a encomenda, se despede, mas, quando vai
saindo, Lampião o chama, manda destampar um dos barris, bota uma dose
em um copo e dá para Nenem beber. Nenem diz: “Mas, amigo, acontece que
eu não bebo, não tenho o costume de beber”. Lampião disse: “hoje você
bebe”. Nenem suou frio, bebeu e já ia saindo novamente, quando Lampião
encheu o copo com a cana de outra ancoreta. O Miguel, novamente, foi
constrangido a beber, e novamente bebeu da terceira e da quarta
ancoretas. Desconfiado como sempre, Lampião queria assegurar-se de que a
bebida não estava envenenada. E Nenem Migué, homem que não bebia,
naquele dia chegou a Travessia puxando fogo.
O RECADO DE CÍCERO BEZERRA
Com o final da Guerra de Princesa, as
tropas fiéis ao coronel José Pereira se dispersaram e muitos voltaram às
suas atividades tradicionais. Cícero Bezerra Leite, um dos chefes do
Coronel, ficou famoso pela bravura nas lutas, principalmente na defesa
de Alagoa Nova. Ali ele tinha casa de comércio e sua fazenda estava no
sítio Mulungu, próximo ao Cajueiro e Riacho do Meio.
Cícero Bezerra contava causos das batalhas,
quando se lembrou de um fato que envolvia os cangaceiros. Contou que
certo dia recebeu um porta-voz de Lampião com um recado para enviar
determinada quantidade em dinheiro, mantimentos e armas. Como resposta
Cícero mandou o recado: “Diga ao Major que as armas estão guardadas e os
celeiros do antigo Engenho, apinhadas de alimentos. Aproveito você, como
portador, para dizer que ele mesmo venha buscar, a qualquer hora do dia
ou da noite. Todo armamento lhe será dado desde que passe primeiro por
cima da minha vontade e disposição em arrancar-lhe o pescoço, depois de
batê-lo com o meu chicote de couro cru”.
Foi, sem dúvida, o recado mais desaforado
destinado ao lendário e temível Lampião, cuja crueldade ganhou fama em
todo país.
A vizinhança, tomada pelo medo, cuidara em
fechar suas portas. A chegada dos cangaceiros seria uma questão de
horas, e a previsão era de densas trevas para a minúscula comunidade e
adjacências.
Como todo bom comandante, Cícero sabia que
enfrentar Virgulino carecia de um bom reforço. Espalhou a notícia e, na
mesma noite, dezenas de cabras armados “até os dentes” aguardavam a
chegada do bando. Após duas semanas de espera, como Lampião não
apareceu, todos voltaram aos seus afazeres. (Narrativa contada por
Cleodom Bezerra Leite, neto do lendário Cícero Bezerra).
O OLHO VESGO DE LAMPIÃO
Segundo a escritora Vera Ferreira, em seu
livro O Espinho do Quipá, Lampião teve seu olho atingido por um
espinho de cacto com esse nome. Em um tiroteio, uma bala teria acertado
a planta e um de seus espinhos projetou-se, ferindo o olho do
cangaceiro, já bastante afetado com o glaucoma que ele sofria.
O Cel. João Bezerra da Nóbrega cita, na
página 40, do seu livro Lampião e o Cangaço na Paraíba, o seguinte:
“E tem mais, foi na localidade Pelo Sinal, atual cidade de
Manaíra, fronteira com Pernambuco, que Lampião teve o seu olho
direito atingido por um galho da espinhenta jurema preta,
tornando-o o rei cego do cangaço para o resto da vida.”
Em um encontro do GPEC - Grupo Paraibano
de Estudos do Cangaço, em julho de 2013, conversando com o escritor
- coronel João Bezerra - sobre essas duas versões, ele afirmou que
existem outros escritores que se referem ao episódio do espinho da
jurema, ocorrido na Paraíba em 1923, como sendo um agravador do estado
de cegueira do “Rei Vesgo”.
Passadas a dor e a raiva, sentidas pelo
ferimento, Lampião teria dito uma frase em tom de galhofa, afirmando que
o olho não fazia falta, pois só usava um para fazer pontaria...
Independentemente de uma versão ou de
outra, nada impede, também, que as duas situações tenham acontecido.
Quipá ou palmatória é um cacto comum na caatinga nordestina. Seu
caule possui muitos espinhos.
Jurema ou jurema preta, resistente à seca e abundante nas
caatingas. Possui fortes espinhos em suas ramificações.
Os óculos de Lampião:
O Cangaceiro os usava para esconder a cegueira em um dos olhos.
Nos primeiros dias de agosto de 1925, o
bando de Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião (1898-1938), fazia uma
de suas muitas incursões pelo sertão pernambucano. Os cangaceiros foram
surpreendidos por agentes do governo e começou um tiroteio. Um dos
membros, Livino – o irmão mais novo de Lampião –, foi atingido. O líder
reagiu. No confronto, um soldado atirou em um cacto e a bala da escopeta
fez com que um espinho fosse parar no olho direito de Lampião.
Livino acabou morrendo. Lampião, levado à
cidade de Triunfo, perto do campo de batalha, foi atendido por um médico
que retirou o espinho, mas não conseguiu salvar o olho do cangaceiro.
Resultado: ele ficou cego de um olho. “O bom humor o impedia de esconder
o problema, e ele brincava dizendo que não adiantava nada ter dois
olhos, pois é preciso fechar um deles para atirar”, diz o pesquisador
Antonio Amaury Correa de Araújo, autor de dez livros sobre a história do
cangaço. O incidente transformou o cangaceiro em canhoto – ao menos na
hora de atirar –, mas não atrapalhou sua fama de justiceiro. E o levou a
usar óculos até o fim da vida. “Os óculos, que aparecem em quase todas
as fotos, escondiam a deficiência de quem não a conhecia e protegiam os
olhos do sol escaldante do sertão”, diz Antonio.
“A partida dos cangaceiros para outras
terras deu-se assim: depois dos meados de 1924, alguém que se disse
irmão de Lampião, estava com alguma dificuldade, possivelmente
financeira, e foi procurar Virgulino nos Patos, na residência de
Marcolino. Após identificar-se, Marcolino disse a ele que estava
impossibilitado de ir até lá, pois ‘as coisas não estavam boas prá o
lado de Princesa e que Lampião precisava tomar cuidado’. Disse que fosse
a São José, procurasse Doca, dizendo que estava ali a mandado dele, e
Doca o levaria ao local.
Chegando até Doca, identificou-se e deu o
recado de Marcolino. Os dois saíram em direção a serra do Pau Ferrado.
Ao chegarem à parte alta, encontraram
Lampião, conversaram um pouco, e ele pegou uma ‘lata cheia de ouro’.
Quando a estava abrindo, veio um cangaceiro gritando: ‘Lampião, a Serra
tá enchendo de Macaco’. Lampião olhou para o que se disse irmão e para
Doca e falou: ‘Eles num pode vê vocês’. Entregou um rifle a Doca, e
outro, ao visitante, e disse ‘Corram pur esse lado e vortem iscondido
pra São José, enquanto a gente distrái eles’. Os dois correram por
dentro do mato, dando uma volta para não serem vistos, e chegaram a
salvos em São José.
Os cangaceiros atiraram o maior tempo
possível para favorecer a fuga dos amigos, mas depois fugiram. A Serra
estava fervilhando de militares por todos os lados. Haviam descoberto o
esconderijo do bando que ali passou anos” (Narrações de Zé de Doca).
Mas essa não foi a despedida de Lampião das
terras de Patos, São José e Manaíra. Mais à frente veremos a saga do
bando, nesse mesmo dia e nos seguintes, nas refregas que tiveram nos
sítios manairenses do Boqueirão, Impueira, Areias de Pelo Sinal e Lagoa
do Leonardo.
Serrote de Lampião
– Majestosos rochedos, no alto do Pau Ferrado, de onde se
vislumbra Patos, Saco dos Caçulas e São José, oferencendo grande
segurança aos cangaceiros.
CLEMENTINO QUELÉ
No dia 31 de julho DE 1924, a tropa
do major Teófanes, de Serra Talhada, travou combate nas Abóboras (PE),
com o bando de Sabino Góis (dos Patos Irerê). Necessitando retornar à
sua base, Teófanes passou o comando para Euclides Flor que, ao
adentrar-se no território de Princesa, teve mais cinco tiroteios com os
cangaceiros. Ao escurecer, chegaram a Alagoa Nova, povoado de Princesa,
e acamparam.
No povoado morava o sargento Clementino
José Furtado, o Clementino Quelé, juntamente com sua mãe, Engrácia, e um
irmão caçula – Antônio, apelidado de Ioiô -, também da polícia. Após as
lutas com Lampião, em Santa Cruz da Baixa Verde, Clementino mudou-se
para Alagoa Nova para proteger o que restou da família. Através de José
Pereira entrou para a polícia paraibana, já com as divisas de sargento.
Assim aposentou-se por ser totalmente analfabeto. Estava acamado com
catapora, deitado em folhas de bananeira, que era um método utilizado
pela medicina caseira, para a cura desse mal.
Ao saberem notícias de que Lampião estava
nas proximidades de Cachoeira de Minas, no dia seguinte, Euclides Flor,
Ioiô e suas volantes, seguiram para aquela localidade, ficando Quelé em
repouso.
BATALHAS EM ALAGOA NOVA
GAVIÃO
1º de agosto
– Nos lados de Cachoeira, no sítio Gavião[1],
os cangaceiros ofereceram forte resistência e o irmão de Clementino,
Ioiô, foi alvejado, não resistindo ao ferimento. Alguns cangaceiros
também foram atingidos, mas não se teve notícias de terem morrido. Dali
seguiu um portador para avisar a Quelé sobre o ocorrido com o irmão
dele.
Conta o Sr. Miguel Peba, que conheceu muito
bem Clementino e sua família: Já tava escuro, o portador chegou na
casa de taipa, bateu na porta, e foi atendido pela mãe dos dois, que
perguntou: “Quem é?” – Em resposta a senhora ouviu: “Chame aí Quelé,
quero falar com ele”. – “Ele tá doente, repondeu ela”. Novamente o
portador: “É que eu vim avisar a ele que mataram Ioiô”. Ioiô era o
caçula da velha. Ela entrou e disse: “Oh! Quelé, mataram meu filho”. Aí
Quelé meteu-se dos pés, pegou a besta e raspou pro Gavião (sítio onde
estava havendo o tiroteio). A partir daí Quelé pegou a espingarda e saíu
matando cangaceiro até na Bahia, em 1928.
Clementino, Euclides e os companheiros
voltaram à Alagoa Nova.´
Clementino José Furtado, o “Quilimintino” Quelé.
Casa construída na Tv. Joaquim Paixão, Manaíra, no mesmo local
da casa de taipa de Quelé.
Seis anos depois, em 1930, Cícero Cazuza
encontra-se novamente com Quelé. Cícero tinha seis anos e estava com sua
irmã, ajuntando lenha para cozinhar. Uma fileira de 15 soldados vinha de
Lagoa do Leonardo em direção à Alagoa Nova, onde morava Clementino. O
primeiro deles deu um chute no feixe, espalhando toda a lenha. No coice
da tropa vinha Quelé e, ao ver o menino chorar, perguntou-lhe o
ocorrido. A irmã de Cícero contou o ocorrido e o sargento fez o soldado
voltar e rearrumar a madeira.
BOQUEIRÃO
2 de agosto
– Ao amanhecer do dia, ouviram o tiroteio que veio do Boqueirão, de onde
desaguavam as chuvas vindas da Serra da Bernarda, duas léguas de Alagoa
Nova. Entenderam que alguma volante estava em luta com os cangaceiros e
foram ajudar. Lá encontraram o Sargento Higino, que não estava mais em
combate. Havia corrido, diante da força dos adversários.
Entretanto, dois dos soldados de Higino
(Sargento Gino) foram seguindo e observando, à boa distância, a direção
que os cangaceiros estavam tomando. Alcançados pelas volantes, esses
dois repassaram as informações e seguiram os rastros deixados pelos
cangaceiros.
Para ilustrar esses acontecimentos,
transcrevo parte do capítulo 23 do livro Lampião, Seu Tempo e Seu
Reinado, volume II, de Frederico Bezerra Maciel. Poderia ser de
outro autor menos controverso, mas cito este propositalmente, por conta
da riqueza de detalhes de sua narrativa, que envolve o leitor, e por
conta da falsa inserção de Lampião em uma batalha onde ele não estava.
Isto para contrastar com a versão, anteriormente citada, onde era Livino
aquele que comandou a saga do bando nas terras de Alagoa Nova.
A Batalha da Baixa Verde (Boqueirão) – Agosto de 1924
... cem anos de perdão!
Esta batalha, um dos pontos culminantes
na vida do cangaço de Lampião. Antes que uma batalha, uma sucessão
delas, durante duas semanas ininterruptas, dia a dia, numa extensão
linear de mais de cem quilômetros, pelas serras e catingas, areiais e
serrotes, povoados e fazendas. Lampião, ainda convalescente e
manquejando muito, com poucos homens: seus irmãos Antônio e Livino,
Sabino, Laranjeira, Asa Branca, Curió, Estrela-Dalva, Corró, Ventania,
Manuelito e Zé Vicente (isto é, Chico Pereira), número esse depois
aumentado, numa luta, de vida e morte, contra mais de cem inimigos
distribuídos em sete volantes comandadas pelos tenentes Benício, Chico
Oliveira, Zé Guedes, sargentos Gino, Anete e Quelé e o cabo Maquinista.
Móvel da grande batalha – o coronel
Zé Pereira, de Princesa.
Depois do saque de Sousa, recebera este muito
dinheiro dos irmãos Ferreiras, em suas mãos depositado para guardar.
Prova de absoluta confiança entre amigos. De posse de tanto dinheiro,
resolveu Zé Pereira[2]
apoderar-se dele para, decerto, aplicar na sua política. Mudou logo para
isso o seu pensar: Lampião deixaria de ser amigo para ser apenas um
bandido.
- “Dinheiro de bandido é roubado, não
pode ficar com ele”, confidenciava a seu amigo e correligionário na
política, o muito brabo e meio gira Padre Floro Pereira Diniz. O qual,
por sua vez, maliciosamente, o absolveu declarando:
- “Quem rouba de ladrão, tem cem anos de
perdão!”
Mas, como se apoderar dos setenta e
tantos contos de Lampião e seus irmãos? Zé Pereira, que conhecia
perfeitamente, os esconderijos de Lampião, decidiu-se a denunciá-lo à
policia, na certa de sua infalível liquidação. Sabendo-o sagaz e
perigoso, botaria tudo o que era de tropa em cima dele.
O Serrote de Lampião
Não permanecia Lampião muito tempo num refúgio.
Mudava sempre, por tática de segurança e despistamento. Do saco dos
Caçulas passou-se para a serra do Pau Ferrado. Ponto culminante de toda
a Borborema, com 1.095[3]
metros de altitude. De formação cristalina, granitóide, de migmatito, o
cimo é uma chã de grande fertilidade. Descendo para Patos de Princesa
(Irerê), a encosta, tapizada de densa vegetação, é extensa e suave. Á
meia encosta, acha-se o famoso Serrote de Lampião. Ponto excelentemente
estratégico, escolhido por ele. De lá de cima, dominava o povoado de
Patos, com suas duas estradas: ao sul, uma bifurcando para Santa Cruz e
Triunfo; em direção do norte, outra se ligando à Princesa através do
povoado de São José. Ainda sob sua alçada: as altas vertentes em
anfiteatro do maciço da Baixa Verde com o Saco dos Caçulas, o Livramento
(ex-colônia de negros escravos outrora fugitivos), o Caldeirão ...; e o
Baixio, ao norte, para as bandas de Alagoa Nova (hoje Manaíra).
Impossível uma retaguarda pelo lado oposto da serra, que cai abrupta
pelos paredões escarpados. Verdadeira fortaleza cheia de esconderijos
onde ele se obrigou com sua tropa. Com bastante gente, munição abundante
e suficiente provisão de boca, poderia tornar-se por muito tempo,
baluarte inexpugnável, não fosse a natureza nômade da guerra preferida
de Lampião.
Dali traçou Lampião, com todos os
pormenores, a marcha sobre Sousa... dali comandava as correrias de seus
grupos pelo território do sertão.
O sonho da traição
(...) Lembrou-se que, na noite anterior,
Chico Pereira havia assassinado, no pé da serra, um pobre velho
amalucado, de nome Salu. Talvez isto tenha chegado aos ouvidos da
polícia. O sonho revelava-lhe o perigo? Começou a rezar o Credo para
exconjurar aqueles maus pressentimentos. Errou três vezes. Então acordou
seus companheiros para retirada imediata. Poucos homens estavam com ele
naquele momento: seus irmãos Antônio e Livino, Sabino, Ventania, Curió,
Asa Branca e Chico Pereira.
Nesse quando, surgiu, inopinadamente, o
cangaceiro Estrela-Dalva, esbaforido, trôpego, quase sem mais poder
andar, comprimindo com as mãos o lado esquerdo da barriga, com dor de
veado, da corrida que dera ladeira acima. Contou que vinham avançando
forças, do tenente Manuel Benício e outros mais...
Entrementes, novos toques de corneta se ouviram
de outras volantes das bandas de Princesa, também, chegando[4].
O tenente Benício, ao pé da serra do Pau
Ferrado, observara de longe, que um rapaz entregava uma panela a um
homem, reconhecido como cangaceiro através dos arreios que trazia.
Deu-lhes uns tiros. Estrela- Dalva, o cangaceiro, deixou a panela cair e
saiu correndo ladeira a riba.
O rapaz, de dezessete anos de idade,
chamava-se Joaquim, filho de um dos proprietários da fazenda Abóboras,
Manuel Florentino Diniz. Confessou ele ao ser capturado pelo tenente,
que a panela que entregara ao cangaceiro era de carne cozida, preparada
no Saco dos Caçulas para o almoço de Lampião e seus cabras, ocultos lá
em cima do serrote.
Resolveu o tenente, aproveitando a
panela, almoçar logo ali com sua tropa e esperar pelas forças já
marchando no coice da sua.
Enquanto isso, Lampião ganhava tempo e
espaço, retirando-se.
Quelé[5],
com dezoito homens armados e fornecidos por Zé Pereira, deveria, junto à
volante de vinte e cinco praças, comandada pelo tenente Chico de
Oliveira, alcançar a força do tenente Benício, também de vinte e cinco
soldados, para, em ação conjunta, acabar de vez com Lampião e seu
pequeno grupo no serrote. Antes, Quelé havia pegado Chico Barraqueiro,
portador de uma carta de Chico Pereira, assinada com o pseudônimo Zé
Vicente, dando noticias suas à família. Sob o nó da peia, o portador
descobriu tudo.
No caminho para Patos as duas forças
foram, de surpresa, interceptadas por uma patrulha-sentinela de Lampião.
Na troca de tiros foi morto uma cabra de Quelé. A patrulha fugiu.
Prosseguindo, chegaram as duas forças a se unirem à de Benício,
perfazendo um total de sessenta e oito homens.
Á tarde, cercaram o serrote e abriram
fogo cerrado e prolongado. Mas nada de resposta do serrote. Tudo
silêncio. Cilada? Fuga? Outras e outras descargas se sucederam. Tomaram
chegada. Não havia ninguém.
De longe, no sítio Boqueirão, divisa de
Pernambuco com a Paraíba e meia légua antes de Alagoa Nova,
Lampião[6]
e os seus, na ocasião em que enchiam as cabaças d’água, divertiam-se ao
ouvir o tiroteio nas pedras do serrote... vazio.
Enquanto isso Chico Oliveira e Quelé
queriam, a todo custo, que Manuel Florentino Diniz desse conta dos
cangaceiros. O pobre homem só não sofreu por causa de seu amigo, o
tenente Benício.
Boqueirão
Não demorou muito, outra volante de
quinze soldados, comandados pelo cabo Antônio Marques da Silva, vulgo
Antônio Maquinista, se chocasse com o grupo de Lampião, agora com igual
número, quinze homens. Durava uma hora o tiroteio e já se decidindo a
favor de Lampião, quando, vindo no coice, chegaram Gino, com doze
soldados, e, logo mais, Quelé, com dezessete cabras, obrigando o inimigo
comum, lá deles, a fugir.
Nas Areias do Pelo Sinal
Recuando do ataque no Boqueirão, rumou Lampião[7]
para o grande reduto secreto na fazenda Areias do Pelo Sinal, na
fronteira interestadual.
Sem que fossem percebidos, dois
rastejadores da polícia seguiram o grupo, à distância e o suficiente,
para descobrir o escondedouro.
As sentinelas do Lampião deram aviso de
tropa à vista. Era a tal volante de Antônio Maquinista, guiada por um
dos rastejadores, enquanto o outro rastejador voltava para avisar às
demais forças em Patos.
A modo de despistar a polícia,
desviou-se Antônio Ferreira, com seu grupo de seis, noutra direção, umas
duzentas braças. Aboletou-se num casebre e mandou por um rapaz convidar
o cabo para nova brigada. Este, que havia feito alto para tomar café,
não fez demora.
O grupo de Antônio Ferreira acabara de
tomar gostoso xerém com leite, quando, sentindo a aproximação da tropa
de dezesseis soldados, abriu fogo.
Fazia vinte e cinco minutos tiroteiavam,
quando se ouviram toques de várias cornetas.
Cinco volantes marchavam na direção do
reduto. Tenente Gino com vinte e cinco homens, sargento Anete vinte,
Quelé dezoito, o subdelegado de Vila Bela oito, todas guiadas pelo
segundo rastejador. Um total de noventa e dois homens incluindo o cabo
Maquinista que, depois, se lhes juntou. Todas botadas pelo coronel Zé
Pereira em cima de Lampião, inclusive mesmo as volantes pernambucanas
por solicitação sua ao tenente Malta, comandante em Triunfo.
O grupo de Antônio Ferreira, que brigava com o
cabo, resolveu voltar correndo ao reduto, a modo de reforçar a defesa de
Lampião[8]
que ficara com apenas sete homens.
O sargento Gino em vista de falta de
convênio dos governos de Pernambuco e Paraíba para tropas de um Estado
penetrar no outro, quando em perseguição a cangaceiros, não queria
prosseguir. Um soldado, de banda, sem que Gino ouvisse, disse para
alguns de seus companheiros:
- “É medo desse nego!...”
Finalmente, decidiu-se Gino, mas
ordenando a Quelé:
- “Tome a frente que a retaguarda é
minha. Dê no que der, vamo brigá ainda hoje”.
Cercada a casa da fazenda pertencente a Manuel
Cazuza. Dentro, Lampião[9]
com quinze homens, além da família do proprietário. Por fora, maior
concentração das volantes na traseira, ponto mais vulnerável da casa
toda de taipa, excessão da frente, de tijolo.
Oito horas da manhã rompeu o tiroteio. A
fumaça cobria a serra e escondia a morte que voava nas detonações
ininterruptas. De parte a parte, o parraxaxá, vozeiro infernal, gritos,
imprecações, e nomes feios de mistura com vivas e gargalhadas. Em coro,
cantavam os cangaceiros o estribilho da “Mulher Rendeira”, depois de
cada quadra improvisada e cantada por Lampião insultando os atacantes.
Estes, em campo raso, temendo aproximar-se.
Cada balaço certeiro atirado pelos de
fora estambocava o enchimento de taipa, abrindo buracos nas paredes. Os
varais de marmeleiro da armação de pau-a-pique se desfibravam com as
balas até partirem, desenliçando, amolecendo e ameaçando desabar o
arcabouço da casa. Até que, partindo-se a terça do telhado, desabou
fragorosamente a cozinha, levantando grande poeira de cegar os olhos e
entupir a respiração das narinas dos defensores. Por entre os escombros,
defendiam-se estes, denodadamente, contra o avanço dos atacantes.
Começou a chover um sereno fino[10],
cabuloso. Agora era a lama e a escuridão da noite, só alumiada pelos
clarões relampejantes das bocas das armas atirando.
A casa desmoronando ao pedaços...
Sentindo a situação insustentável com o aumento
da concentração dos atacantes, deslocados da frente para a traseira
abatida, juntou Lampião[11]
seu pessoal e, em ação fulminante, ordenou descargas cerradas contra o
grupo inimigo que atacava a frente. Em seguida, feito loucos,
atiraram-se Lampião[12]
e os seus, saindo correndo de casa, pela porta da frente, conduzindo um
morto - Corró e um gravemente ferido – Laranjeira, nos riscos supremos
da vida e da morte. Ao impacto da fuzilaria e da abafação do panavueiro,
ficaram os doze soldados, sob o comando do sargento Anete, completamente
atarantados e abirobados! Sendo até derrubados pelo embate dos fugitivos
na carreira, os cangaceiros passando por cima dos corpos caídos... Um
soldado levou uma pisada tão danada no meio da barriga que perdeu a
fala... Outro cambaleou com um soco tremendo aplicado por Livino na
boca, quebrando-lhe os dentes...
Lampião[13],
incrivelmente, espetacularmente, furava o cerco impossível de ser
rompido! E embrenhara-se, pelo lugar Extrema, na catinga pernambucana de
Vila Bela.
Durara o tiroteio treze horas
consecutivas!
Eram nove horas da noite.
A casa completamente rendada de bala.
E, dentro, no chão umedecido de um
quarto, agachados e comprimidos, debaixo do couro de boi de uma velha
mala desmanchada, a dona da casa abraçada com o oratório dos santos,
suas quatro filhas moças e um filho rapaz, todos estatelados de pavor...
Arrastando o rapaz, para fora, pelo sargento
Anete a fim de ser sangrado como coiteiro. Domado no chão, já lhe batia
a lâmina da faca na carótida para, inchada, mais facilmente ser rasgada,
quando Gino puniu[14]
por ele, livrando-o da morte.
Abrigara-se a soldadesca, como pudera,
uns por cima dos outros, dentro da casa escura e gotejando.
Em contraste com os gemidos de cinco
feridos, os soldados, no recanto de outro quarto, se sucediam na sevícia
sexual do corpo de uma infeliz mulher-dama chamada Minerva.
Aos primeiros rubores do dia seguinte,
amanhecido enxuto e frio, desafinadamente tocou uma corneta o despertar
das tropas. Todos escornados e mortos de fome, sem o de que comer. A
catinga, estraçalhada de bala, sinistramente emoldurava os restos de uma
tragédia com dois corpos, em esgares e sem vida, espichados na terra –
os cadáveres do soldado Pié e o cachimbo Pierre de Sousa, mortos por
Chico Pereira.
Ali perto, as cinzas negras do reduto de
Lampião, totalmente saqueado pela soldadesca que apurou o seguinte[15]:
·8 malas “cheias de tudo o
que é bom”: roupas, jóias, chapéus, e objetos de valor;
·15 meios de sola;
·12 selas roladeiras fabricadas em
Cajaceiras[16],
no Rio do Peixe;
·21 animais, inclusive
burros bons e cavalos de monta.
Após o saque, foram incinerados os quinze
casebres que formavam o reduto.
Voltando a Patos
Chegando na fazenda Abóboras, a primeira coisa
que fez Lampião[17]
foi mandar socorrer o ferido e sepultar o morto que deixara no meio do
caminho, premido pela fuga[18].
Lampião trazia, no peito, um imenso ódio
a Zé Pereira. Jamais esqueceria o feito do coronel e nem perdoaria. Sua
preocupação era a vingança. E isto temia o coronel, que se precavia ao
dobro. Impossível a Lampião atacá-lo em Princesa, cheio de macaco e
capangas. Ah, se pudesse pegar o coronel solto na catinga, mesmo
comandando força superior... O jeito, porém, era vingar-se como podia,
matando-lhe capangas, incendiando-lhes as fazendas (como fez, mais
tarde, com duas), futicando-o sem cessar. Mas precisava atacá-lo agora.
Estava com o sangue infuleimado. O desânimo não existia no seu
vocabulário de vida. E esse era um dos traços mais predominantes de sua
complexa e insólita personalidade.
Juntou logo um grupo de vinte e um
homens, entre os quais Luís Pedro, natural dali de perto, do sítio Cana
Brava ou Retiro, no município de Triunfo, e que se tornaria famoso em
catorze anos de vida no cangaço, numa fidelidade, a toda a prova, a seu
lado.
Com esse grupo formado, tomou, de
imediato e na afoiteza da coragem, o rumo de Patos de Princesa, levando
debaixo de ordens Manoel Florentino Diniz para lhe apontar determinadas
pessoas e locais.
Atravessando a fronteira de Triunfo, no
lugar, Medéia, matou um inimigo.
Em São Mateus[19],
prendeu, como reféns, dois cunhados de Manuel Florentino Diniz – João
e Juvenal dos Santos Diniz, a modo de obrigar o pai deles,
Manuel dos Santos Diniz[20],
a lhe mandar dinheiro.
Em Sozinho prendeu e matou dois cabras de Zé
Pereira, um deles Luís do Trião (Triângulo)[21]
que fora cabra de Sinhô Pereira. Dos cadáveres fez uma coivara e tocou
fogo.
Agradeceu a Manuel Florentino Diniz os
serviços prestados naqueles dois dias e o libertou.
Às três da madrugada, arremessou-se Lampião
contra Patos, que rapidamente se transformou em praça forte, com as
volantes a postos, e em vigilância nas imediações. Um enxame de
soldados. Obra de cento e quinze, afora a grande cabroeira de Zé
Pereira. Tiroteios ferozes e lutas encarniçadas que se prolongaram até
às dez horas[22].
Boqueirão II, Alagoa Nova e Marcolino
Em escaramuças contínuas, com os
inimigos no sucaro, subiu Lampião a serra do Pau Ferrado. Desceu para o
Boqueirão. Chico Pereira estropiado por estrepes venenosos que
lhe inflamaram, agudamente, os dois pés, carregado nos braços dos
companheiros. Dadas as anfratuosidades das veredas de fuga ao longo da
serra cheia de borocotós, o considerável peso dos apetrechos bélicos e a
vigilância sobre os dois presos-reféns, o carregamento do ferido era um
estorvo e um perigo para todos. Na vagareza em que iam, bem que podiam
ser alcançados pelas forças.
Sugeriu, então, Livino a Chico Pereira
que se entregasse, naquela emergência, ao tenente Benício, de quem ele
Chico, era grande amigo. Recusou, porém. Preferiu ficar oculto num
partido de cana, ao pé de serra. Mais adiante Lampião pagou a um preto
do Livramento para socorrer o amigo invalido, deixado atrás.
Perto de Alagoa Nova, teve
Lampião um encontro com seu grande amigo, Marcolino Pereira Diniz,
os quais censuraram a atitude do coronel Zé Pereira.
Enviou Lampião uma carta, ali mesmo
escrita, a Zé Pereira, chamando-o abertamente de “ladrão”, “falso” e
“mentiroso”.
Tangido para cima
As volantes reunidas, sob o comando de
Gino, forçaram Lampião a subir para o norte. Combate em Tataíra, a légua
e meia e, mais para cima duas léguas, outro combate em Cachoeira de
Minas.
Persistente no seu propósito, tomou Lampião a
tangente à esquerda, em marcha puxada, até
Gavião[23],
cinco léguas distante, donde pretendia voltar caindo sobre Patos, a
quatro léguas dali. Mas, surpreendido pelas forças sob o comando de Zé
Guedes, deu dois enfurecidos combates, perdendo o cangaceiro Manuelito.
Resolveu então mudar a direção rumeando em sentido contrário, para
Conceição (PB) e, em seguida, para o Ceará.
Na travessia da Serra da Arara, divisa
cearense, apresentou-lhe um positivo enviado por João dos Santos
Diniz, com setecentos mil réis em moedas de prata. Era o preço da
libertação de Juvenal, preso em São Mateus[24].
Quanto ao outro prisioneiro, João, havia ele fugido dois dias antes,
indo se perder nas caatingas de Salgueiro...
Esteve Lampião no Juazeiro, em visita a
seus irmãos.
Tanto na ida como na volta, hospedou-se
em Milagres e Missão Velha, onde tinha a proteção de seus amigos, o
prefeito Isaías Arruda e o coronel Antônio Joaquim de Santana.
Vigilância do coronel
Não demorou muito tempo Lampião no Ceará
ou apenas o suficiente para se reequipar. Tinha pressa em voltar e
futucar Zé Pereira. Assim, em começos de outubro, marchou sorrateiro na
direção de Patos de Princesa. Queria chegar de imprevisto. Mas foi
detido na serra da Bernarda, travando, contra as forças do
destemido sargento Gino, pesado tiroteio, todavia, sem prejuízos das
partes litigantes.
Zé Pereira bem sabia por que não podia
dormir...
Lampião, descendo, penetrou em
Pernambuco através dos carrascos de Flores, mas sempre com o coronel na
mira de sua vingança. Por isso, não cessaria, até o ano de 1928, de
aparecer pelas imediações.
- Agosto: Capturados quatro cangaceiros do
grupo de Lampião. Morto Meia Noite[25],
á traição, por um cabra de Zé Pereira, no Saco dos Caçulas.
AS ÚLTIMAS PASSAGEM DE LAMPIÃO POR ALAGOA
NOVA
Duas histórias são contadas como sendo as
últimas vezes que Lampião esteve em Alagoa Nova. A primeira foi narrada
por Sipriano Alves Ferreira
Joaquim Nicolau,
o Quinca Niculau, do São Bento, tinha sua residência e terras
nesse sítio, vizinhas ao Povoado. Ele já tivera alguns contatos com
Lampião e gosava de sua confiança. Em uma de suas passagens ali, em
1926, o cangaceiro esteve em sua casa e pediu a Quinca que guardasse uma
maleta e disse-lhe que não a entregasse a mais ninguém, pois um dia
quando voltasse a queria de volta, em mãos. Quinca seguiu a instrução ao
pé da letra. Em Patos, um certo “Senhor Salviano”, que deveria ter
alguma autoridade, soube da história dessa maleta e mandou uma carta
para Quinca comparecer urgente nos Patos. Chegando lá, Senhor Salviano
disse que tinha um particular para conversar com ele, e seguiram de mata
adentro. Ao andarem na mata, Quinca Nicolau virou-se para ele e pediu
para que ele falasse; então ele disse: é que Lampião passou aqui e disse
que o senhor me entregasse a maleta. Então Quinca ficou brabo e
respondeu: Lampião me disse que eu não poderia entregar esta maleta para
ninguém. Desconfiado, fez a volta, mandando que Salviano fosse à frente,
o que foi obedecido. Ao chegar em casa, os cangaceiros de Salviano
perguntaram se ele havia conseguido o objetivo.Ele respondeu: “Não me
falem mais disso não, pois esse homem é uma fera, e quase me mata na
mata. Quinca voltou para casa, onde viveu ainda alguns meses. No ano
seguinte mudou-se para o Ceará. Dez anos depois, ao falecer, deixou a
maleta com os filhos e Lampião nunca voltou para pegar.
Agda Vicente de Arruda
– Em uma dessas saídas, registra-se a passagem do bando de Lampião,
por Alagoa Nova.
Em um final de tarde de 1926, a tropa de
Virgulino Ferreira fez parada nessa terra. Ao entardecer, já escuro,
estava meu avô “tomando uma fuga” do cansaço do dia, deitado na frente
da casa, junto à porta. Minha avó estava sentada na cadeira, quando
chegou uma tropa montada de burro. Pelas vestimentas, Silva reconheceu o
visitante e disse: “Apeie”. Desceram de suas montarias e tomaram água.
Dª Agda preparou um jantar onde foi servido cuscuz, rapadura, leite e
café, iguarias disponíveis da culinária da época. Ao partirem, os
cangaceiros levaram panos amarrados em “trouxas”, contendo cuscuz e
rapadura.
A partir daí, o Sr. Manoel, esposo de Agda, por
medo de ser morto, chegou a acompanhar os cangaceiros pelo período de 12
meses. Há quem diga que ele, simplesmente, teria “desaparecido” naquele
período. Não se sabe, ao certo, o que ocorreu com ele[26].
O bule de porcelana que Agda serviu o café (primeiro à
esquerda).
A bandeja (acima) utilizada no casamento de Doca e Isabel, em
São José, no ano de 1923.
Foto do Autor: Museu de Manaíra (2014)
[1] Existe divergência
quanto à data dessa batalha.
[2]Os habitantes mais novos de
Princesa e aqueles que fizeram boas pesquisas, discordam dessa
versão. Existe, porém, vários dos mais antigos que afirmaram
essa ocorrência. Até o velho “Nego Chico”, do Pelo Sinal, era
enfático em afirmar: “Livino Ferreira era combinado com
Zé Pereira”.
[3]Em 2013 foram levados três
aparelhos GPS para fazer a aferição e constatou-se uma altitude
de 1.138, sobre a pedra mais alta.
[4]Teria sido esse o momento em que
Doca, Lampião e o parente, estariam conversando sobre a ajuda
solicitada e que foram orientados a fugir para São José.
[5]Quelé residia em Alagoa Nova e dali
administrava suas operações.
[6]Possivelmente, a partir daí,
Lampião não estava, mas sim, Livino.
[15]Segundo Marilourdes Ferraz,
em seu Canto do Acauã, pág. 231, “A mercadoria roubada de
Sousa e apreendida na casa foi entregue às autoridades
paraibanas, que deram o recibo correspondente”. Quem seriam as
“autoridades” que receberam a mercadoria? – As volantes
paraibanas? Em Sousa ou outro lugar, não existem registros da
devolução de nada.
[21]Não foi Luís do Triângulo que
morreu, mas um cunhado dele, de nome Chiquito.
[22]Luís do
Triângulo organizou a defesa de Patos, com trinta homens bem
armados, e não permitiu a entrada de Lampião. Com a morte de seu
cunhado Chiquito, Luís e seu grupo iniciou longa perseguição aos
cangaceiros, culminando com uma emboscada que destruíu boa parte
desses bandoleiros.
[23]Existe nessa
narrativa da luta do Gavião, uma dúvida quanto à exatidão da
data.
[24]Enviado por
Manoel dos Santos Diniz – Né Marcelino -, pai de João e Juvenal.
João era um dos dois prisioneiros sequestrados.
[25]Esse cangaceiro
foi ferido após longo tiroteio com a polícia, no sítio Tataíra.
Foi protegido e cuidado por Manoel Lopes – o Ronco Grosso - que,
posteriormente, em companhia do cangaceiro Tocha, o liquidaram,
a mandado de Zé Pereira.
[26]
Fato narrado por Maria Aparecida Rabelo (Gogóia), neta de Manoel
Ferreira Rabelo (apelidado de “Silva”) e Agda Vicente de Arruda.